Opinião: cota nacional no streaming é prejudicial ao consumidor

Cota nacional nos streamings
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O Senado brasileiro aprovou recentemente um projeto de lei que impõe uma cota para obras nacionais nos serviços de streaming e estabelece um imposto de 3% sobre a receita bruta anual dessas empresas. Este projeto teria como objetivo estimular a produção de conteúdo brasileiro nas plataformas digitais, requerendo que serviços com grandes catálogos incluam uma porcentagem mínima de produções nacionais. Mas será que isso é benéfico para o consumidor? 

Este projeto de lei, que ainda precisa de aprovação na Câmara dos Deputados e a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, representa uma interferência estatal excessiva, levantando questões sobre liberdade econômica, eficiência de mercado e censura indireta.

Entendendo as cotas

De acordo com o Art. 10 do projeto de lei, os serviços de streaming e televisão por protocolo de internet no Brasil devem manter em seus catálogos pelo menos 10% de conteúdos audiovisuais brasileiros. Além disso, metade deste percentual deve ser dedicada a conteúdos audiovisuais brasileiros independentes. Essa medida tem como objetivo assegurar a diversidade cultural e a promoção da produção nacional no âmbito digital, proporcionando uma maior visibilidade para os criadores brasileiros no cenário audiovisual.

A legislação prevê que a obrigação de manter o percentual mínimo de conteúdo brasileiro seja suspensa quando o catálogo das plataformas alcançar um número absoluto de obras brasileiras. Os limiares variam de acordo com o tamanho do catálogo, estabelecendo:

  • 100 obras para catálogos com no mínimo 2.000 obras totais.
  • 150 obras para catálogos com no mínimo 3.000 obras.
  • 200 obras para catálogos com no mínimo 4.000 obras.
  • 250 obras para catálogos com no mínimo 5.000 obras.
  • 300 obras para catálogos com no mínimo 7.000 obras.

Regulação excessiva e censura velada

Cultura e entretenimento têm o potencial de moldar a sociedade, um ponto que levantei anteriormente em um artigo provocativo. A introdução de cotas para conteúdo nacional em plataformas de streaming ilustra uma forma de regulação que pode ser percebida como censura, restringindo as escolhas tanto de consumidores quanto dos próprios provedores de serviço. Essa política impõe uma visão estatal sobre o que deve ser exibido, interferindo na liberdade de escolha e inovação cultural. Em vez de confiar nas dinâmicas de mercado para selecionar conteúdo que ressoa com o público, o governo estabelece diretrizes obrigatórias que podem limitar a diversidade e a expressão criativa.

Este cenário guarda semelhanças com as recentes medidas adotadas pelos Estados Unidos em relação ao TikTok. A popular plataforma de vídeos curtos enfrenta pressões para ser vendida pela ByteDance ou, alternativamente, ser banida do território americano. Essa ação, promovida por uma nova legislação sancionada pelo presidente Joe Biden, é justificada por preocupações de segurança nacional, mas também pode ser vista como uma forma de reserva de mercado que afeta a livre concorrência e a globalização do espaço digital.

Ambas as situações destacam como as intervenções governamentais no conteúdo digital podem ter implicações mais amplas para a liberdade de expressão e para o mercado global de mídia, levantando questões críticas sobre o equilíbrio entre segurança nacional, controle cultural e liberdade econômica.

Impacto na diversidade de conteúdo

Considere o seguinte cenário financeiro: se uma plataforma de streaming dispõe de um orçamento anual fixo para operações no Brasil, a necessidade de investir em produções nacionais pode resultar na redução de aquisições de novos títulos internacionais. Embora grandes produções originais como “A Casa do Dragão” ou “Stranger Things” provavelmente não sejam afetadas devido ao seu potencial de atrair uma grande audiência, títulos menores e principalmente independentes podem enfrentar dificuldades.

Atualmente, já é um desafio encontrar filmes de nicho e aclamados pela crítica, como “O Apartamento”, vencedor iraniano do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2017. Com a imposição das cotas, esse desafio pode se acentuar, já que os recursos que poderiam ser destinados para a diversificação do catálogo podem ser realocados para atender às exigências de conteúdo local. Isso pode limitar significativamente a variedade de filmes internacionais e independentes disponíveis para os assinantes brasileiros, reduzindo a riqueza cultural que essas plataformas podem oferecer.

Aumento de preços e expansão do controle estatal

O recém-aprovado imposto de 3% sobre a receita bruta dos serviços de streaming será, inevitavelmente, repassado aos consumidores, resultando em um aumento no preço das assinaturas. Esse acréscimo impõe uma carga financeira adicional aos consumidores brasileiros e pode limitar o acesso ao entretenimento digital, um recurso especialmente valioso num período de desafios econômicos.

Ironia das ironias, a proposta para essa taxação partiu de um senador do Partido Liberal (PL), que teoricamente se posiciona a favor de um governo com intervenção mínima e contrário à criação de novos impostos. Essa contradição destaca um descompasso entre o discurso ideológico do partido e as ações de seus representantes.

Além disso, a taxa, conhecida como Condecine, tem como objetivo financiar o desenvolvimento da indústria cinematográfica nacional. No entanto, persiste a questão crítica sobre a transparência e equidade na distribuição desses fundos: quais artistas e produtoras realmente receberão esse investimento? O cenário sugere que os recursos podem acabar beneficiando “os amigos do rei”, ou seja, aqueles mais próximos das esferas de poder, levantando preocupações sobre a eficácia e a justiça na aplicação dos recursos arrecadados através deste novo imposto.

Permanência e incremento de impostos

Como é comum no cenário tributário, uma vez que um imposto é criado, sua eliminação é rara. A tendência geral é que as alíquotas não apenas permaneçam, mas frequentemente aumentem ao longo do tempo. Um exemplo claro disso é o recente ajuste na taxa de importação, que agora inclui itens abaixo de 50 dólares, os quais anteriormente eram isentos. Este padrão reforça a preocupação de que o novo imposto sobre receitas de plataformas de streaming possa seguir um caminho similar.

Impacto nos criadores de conteúdo e anunciantes

É crucial destacar que a nova taxa também afetará plataformas como o YouTube, onde os usuários são os próprios criadores do conteúdo. Este imposto pode reduzir a receita que esses criadores conseguem gerar, visto que uma parte será destinada ao pagamento da taxa. Alternativamente, os anunciantes poderão enfrentar custos maiores para manter sua visibilidade na plataforma, uma forma de inflação indireta que afeta a economia do ecossistema digital. Este cenário impõe desafios adicionais aos criadores de conteúdo, que poderão ver uma diminuição nos seus rendimentos em função dessa nova carga tributária.

Desafios para o streaming nacional

Embora o mercado de streaming seja predominantemente dominado por multinacionais, existem plataformas brasileiras cujo principal atrativo é justamente o conteúdo local. Para os entusiastas de novelas e outros programas populares no Brasil, plataformas como a GloboPlay oferecem uma rica seleção que ressoa com o público local. Contudo, surge uma questão relevante: se os principais competidores internacionais também começarem a incluir produções nacionais em seus catálogos, qual seria o incentivo para os consumidores optarem por uma assinatura de uma plataforma exclusivamente brasileira?

Este cenário coloca as plataformas nacionais em uma posição vulnerável. Caso plataformas como a GloboPlay enfrentem dificuldades financeiras ou até mesmo cheguem à falência devido à competição acirrada, o que ocorrerá em seguida? Será que veremos uma flexibilização das regulamentações ou, pelo contrário, uma intensificação do controle estatal, possivelmente exigindo que as plataformas de streaming tenham um sócio majoritário brasileiro, similar ao modelo da TV aberta? Somente o tempo poderá esclarecer essas incertezas, mas o impacto dessas políticas sobre o streaming nacional poderá ser significativo e duradouro.

Efeitos contraproducentes na indústria nacional

A legislação que visa promover a indústria cinematográfica nacional pode, paradoxalmente, gerar efeitos contraproducentes. Idealmente, a criação de conteúdo deve ser impulsionada pela demanda de mercado e pelo impulso criativo dos artistas, não por imposições de cotas legislativas. O perigo é que a produção nacional se transforme em uma atividade meramente burocrática, focada em cumprir requisitos legais ao invés de buscar inovação e excelência artística.

É provável que, como resultado dessa legislação, vejamos um aumento no número de reality shows de qualidade duvidosa e programas de entrevistas, notícias ou de opinião — conteúdos que, frequentemente, já são disponibilizados gratuitamente no YouTube e que agora podem ser produzidos em massa e oferecidos a preços elevados, simplesmente para satisfazer as cotas. Esse cenário pode ser visto como uma consequência direta da interferência estatal excessiva.

Em um mercado que se autorregula, a demanda por produções nacionais de qualidade é naturalmente atendida pelo interesse do público. Filmes como “Rodeio Rock” ou “Tudo Bem No Natal Que Vem” podem não ser candidatos ao Oscar, mas cumprem seu papel de entreter o público. Essa dinâmica sugere que quando os criadores de conteúdo são livres para explorar e responder às preferências do público, sem a imposição de requisitos governamentais, o resultado tende a ser mais autêntico e satisfatório para todos.

Barreira à entrada de novos players

A implementação de regulações rígidas tende a favorecer a formação de oligopólios e criar barreiras significativas para a entrada de novas plataformas no mercado. Especialmente para empresas emergentes, o custo de cumprir as exigências legais em um único país pode ser proibitivo. A situação é comparável à transição entre o regime de Microempreendedor Individual (MEI) e o Simples Nacional no Brasil, onde o aumento da carga tributária e burocrática muitas vezes desencoraja o crescimento empresarial devido à redução do lucro líquido.

Essa dinâmica regulatória pode desestimular a entrada de novas plataformas internacionais de streaming no mercado brasileiro. Serviços como Crackle ou HIDIVE, que já operaram no Brasil e se retiraram, podem encontrar ainda menos incentivos para retornar. Da mesma forma, a chegada de novas plataformas, como um serviço de streaming do TCM ou Tubi, torna-se ainda mais improvável sob essas condições. Plataformas nacionais que possuem uma grande proporção de conteúdo estrangeiro, como a NetMovies, também precisam estar atentas a essas mudanças, pois a nova regulamentação pode impactar negativamente sua operação e sustentabilidade no mercado.

Desafios para plataformas de streaming de nicho

A regulação estatal pode apresentar desafios particulares para plataformas de streaming que se especializam em nichos específicos, como Crunchyroll, Viki e Kocowa, que focam em conteúdos de países específicos, ou aquelas que se dedicam a clássicos do cinema e da televisão. Esses serviços atendem a públicos que buscam conteúdo altamente especializado e muitas vezes não estão interessados nas produções nacionais que as novas cotas procuram promover.

A situação é análoga ao que aconteceu com a programação do canal Tooncast, quando séries brasileiras como “Zuzubalândia” foram inseridas em meio a clássicos como “Looney Tunes” e “Tom & Jerry”. Embora a diversificação possa ser benéfica em alguns contextos, nesse caso, pode desvirtuar o propósito original da plataforma e alienar o público-alvo que valoriza a especificidade do conteúdo que buscam.

No fim, tais regulações podem não apenas atrapalhar a arte e a expressão cultural, mas também contrariar os desejos de um público que procura conteúdo altamente segmentado. A imposição de conteúdos fora de seu nicho tradicional pode diluir a identidade dessas plataformas e reduzir a satisfação dos usuários, demonstrando como a intervenção estatal pode ser desalinhada com as necessidades e preferências específicas dos consumidores.

A Importância Crescente das VPNs

À medida que a era da internet livre parece estar se encerrando, a utilização de VPNs (Redes Virtuais Privadas) tem se tornado cada vez mais um recurso essencial para aqueles que desejam evitar a repressão estatal. De forma semelhante ao que acontece na China, onde os cidadãos utilizam VPNs para contornar o Great Firewall, os brasileiros também podem começar a adotar essa tecnologia para manter o acesso a conteúdos e plataformas restringidos no país.

Recentemente, enfrentamos exemplos concretos dessa necessidade. Plataformas como Rumble foram bloqueadas no Brasil, e o X (anteriormente conhecido como Twitter) enfrenta ameaças de ser banido devido a conflitos entre Elon Musk e o Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a legalidade de banimentos de perfis e publicações específicas. Esses eventos sublinham a importância das VPNs como uma ferramenta de liberdade digital, permitindo aos usuários contornar barreiras e restrições impostas não apenas pelo governo, mas também pelas próprias plataformas.

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*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não remete necessariamente a posição do ANMTV*