ANMTV Especial: 7 quadrinhos para conhecer no Dia do Quadrinho Nacional

Conrad Editora / Reprodução

No dia 30 de janeiro do ano de 1869, o desenhista ítalo-brasileiro Ângelo Agostini publicava na antiga revista Vida Fluminense aquela que seria considerada por estudiosos e pesquisadores acadêmicos como a primeira história em quadrinhos produzida em território brasileiro: As Aventuras de Nhô Quim ou Impressões de Uma Viagem à Corte. A proposta era contar as desventuras de um indivíduo oriundo da zona rural que, ao mudar-se para a cidade do Rio de Janeiro, impressionava-se com as peculiaridades que misturavam as atmosferas rural e urbana que a então capital do Brasil trazia na época, funcionando como uma retratação satírica da cultura predominante.

E celebrando o 38º aniversário da data em que foi instituída o Dia do Quadrinhos Nacional, a equipe do ANMTV traz para nossos leitores algumas indicações de obras que podem dar um vislumbre de quais conteúdos foram produzidos por artistas de nossa terra dedicados à 9ª arte nos últimos anos e que valem nem que seja uma breve espiada. Dito isso, vamos ao que interessa.


EDMAR FILHO

Sabor Brasilis

Zarabatana Books / Divulgação

Se há um produto cultural que evoluiu de uma forma bastante particular com o advento da televisão no Brasil, tornando-se parte do cotidiano de grande parte da população brasileira até os dias de hoje, são as telenovelas. Ao longo dos mais de 70 anos de TV brasileira inúmeras tramas passaram pelas telinhas e conseguiram envolver o público seja com a forma como seus enredos originalmente se desenrolavam ou mesmo através de táticas narrativas que mantinham a audiência engajada e o folhetim vívido na memória e no imaginário popular. Mas você já imaginou o que rola dentro dos bastidores de uma novela para que seus rumos correspondam às expectativas de telespectadores? Aparentemente, foi ao fazerem a sí mesmos essa pergunta que Pablo Casado e Hector Lima (roteiro) desenvolveram junto de Felipe Cunha e George Schall (arte) Sabor Brasilis, uma das mais singulares pérolas do mercado de quadrinhos nacional.

Em sua sinopse, a HQ apresenta aos leitores já em suas primeiras páginas a cena de um crime que ceifa a vida de Olívia Ribeiro por um indivíduo que não tem sua identidade revelada, sendo ambos personagens da novela das oito que dá título à HQ que, transmitida pela Rede Mundo de Televisão, vinha se destacando como o folhetim televisivo de maior audiência e repercussão no país. Todavia, apesar da expectativa do público em descobrir o nome e rosto do responsável pelo incidente, o próprio novelista Antonio Callado e sua equipe de roteiristas assistentes não tem ideia de como encaminhar a trama para rumos que possam satisfazer a ansiedade do público, e é a partir disso que a história de Sabor Brasilis começa a se desenvolver, mostrando que eventos se passam dentro dos bastidores de um folhetim teledramatúrgico e como se dá as relações dos personagens para resolver o impasse assim como suas dificuldades cotidianas.

Fazendo um bom uso de metalinguagem e referências que caem fácil nas graças de entusiastas de novelas ainda que possa deixar leitores não tão familiarizados com tal mídia “boiando”, Sabor Brasilis se destaca por trazer uma proposta e temática que em nada se assemelha com projetos que remetam às escolas americana, europeia ou oriental de fazer quadrinhos transbordando dessa forma originalidade, uma vez que traz como seu cerne eventos relacionados sobretudo não só a um fenômeno midiático tipicamente nacional como a relações e conflitos típicos de ambientes de trabalho, os quais pode ser que leitores nem sequer precisem ser também espectadores regulares de novelas para compreender, apreciar e até a acreditar que algum tempo após ter lido pela primeira vez, eles pensem que “vale a pena ler de novo”.

 

O Regresso de Jaspion

Editora JBC / Sato Company / Divulgação

Embora a história do quadrinho nacional seja no geral mais antiga, a cultura pop brasileira como a conhecemos começou a ganhar corpo a partir da década de 1980, influenciando uma parcela considerável da atual geração de roteiristas e desenhistas atuantes no Brasil. Estes, talvez jamais imaginassem que um dia poderiam construir novas histórias usando ícones estrangeiros que fizeram parte de suas infâncias e que chegassem a ser consideradas, inclusive pelas empresas donas de tais propriedades intelectuais, como continuações oficiais daquilo que foi assistido.

E é partindo dos níveis de popularidade que certas produções nipônicas alcançaram em nosso país, que uma HQ como O Regresso de Jaspion foi possível de ser criada, graças a uma bem sucedida parceria entre a Editora JBC e a distribuidora Sato Company que recebeu aval positivo da própria Toei Company, detentora dos direitos sobre o personagem.

Na história que conta com roteiro de Fábio Yabu (Combo Rangers) e desenhos de Michel Borges (Anarriê) após derrotar os vilões MacGaren e Satan Goss na derradeira batalha que concluiu a série de TV, Jaspion parte da Terra com o objetivo de livrar o resto do universo de outras forças malignas que ameaçem sua existência. Porém, uma inesperada concentração de energia negativa trouxe de volta à vida uma de suas mais perigosas inimigas: a bruxa galáctica Kilmaza que, sedenta de vingança, deseja usar seus novos poderes para ressuscitar outros grandes adversários do herói para uma nova tentativa de conquistar o planeta.

Ao tomar conhecimento do incidente, Jaspion retorna à Terra após um longo período viajando pelo espaço para impedir que a maléfica feiticeira, ao lado de um MacGaren e um Satan Goss ressuscitados, concretizem seus novos planos de destruir a humanidade e estabelecer o nosso mundo como o início de seu Império de Monstros. Nesta aventura, a novidade é uma participação mais ativa e estratégica de antigos aliados do Campeão da Justiça no confronto contra o exército de malfeitores.

Se por um lado Jaspion já está um tanto quanto esquecido em seu país de origem, por aqui o personagem segue vivo na memória do imenso contingente de fãs que cativou durante os anos 80 e 90 e consolidado há mais de 30 anos como o “maior super herói japonês do Brasil”. Se tornou algo tão familiar para os brasileiros que quase parece ter sido adotado como nosso, ao lado de outras produções como Chaves, Chapolin, Caverna do Dragão e o jogo Top Gear, recebendo sempre as mais diversas homenagens e referências, como outra HQ que será comentada a seguir.

 

Crepúsculo Sentai

Usando como matéria prima de sua construção elementos da cultura pop japonesa notoriamente influentes para a cultura pop brasileira atual, Crepúsculo Sentai traz em sua audaciosa proposta, não só uma legítima homenagem às séries de tokusatsu que marcaram época em suas transmissões pela TV aberta do Brasil, como uma história que dialoga com um público já maduro que sempre sonhou com um grande crossover com os heróis de sua infância.

No enredo escrito por Douglas Freitas e que tomou forma através da arte de Sandro Zambi, o herói conhecido como Juscam (baseado em Jaspion) é vítima de um tiro durante um evento em sua homenagem na cidade de Tóquio chocando o mundo que perde no mesmo dia uma de suas maiores figuras heroicas. Algum tempo após o ocorrido, uma estranha onda de atentados violentos começa a vitimar outros diversos justiceiros veteranos como o Ninja Rubro (Jiraiya) e o Gafanhoto (Kamen Rider Black), chamando a atenção de autoridades internacionais que encarregam a dupla de agentes Platen e Asahi para investigar o caso.

Em meio à investigação, Platen e Asahi acabam chegando até o antigo ecoterrorista alienígena Doutor Yaguaraté (Dr. Gori) ao descobrirem que o mesmo esteve escondido há anos em favelas do Rio de Janeiro desde seu embate derradeiro contra Fujiman (Spectreman) tendo que recorrer aos conhecimentos e genialidade de um antigo inimigo da humanidade para descobrir quem está atuando nas sombras para destruir cada um dos mais famosos super heróis da Terra.

Apesar de ser considerado por alguns críticos uma mistura de heróis clássicos da antiga TV Manchete e Watchmen, Crepúsculo Sentai não chega a desenvolver sua história com a mesma densidade que a segunda obra mencionada apoiando-se sobretudo na nostalgia e no fanservice, trazendo uma execução um tanto quanto corrida que mal permite com que o leitor tenha tempo de ser conquistado pelas contrapartes alternativas de famosos heróis e vilões das séries nipônicas. No entanto, as cenas de ação, a arte e a forma como as referências foram utilizadas por seus idealizadores tornam a leitura suficientemente agradável e divertida, ainda que houvesse um potencial para algo melhor desenvolvido.

 

Ritos de Passagem – Quando Éramos Irmãos

AVEC Editora / Divulgação

Assim como séries de tokusatsu, alguns anos depois animes e mangás exerceram uma influência considerável no estilo brasileiro de se fazer quadrinhos desde a chegada de Holy Avenger e sua proposta de se fazer um mangá 100% brasileiro. Contudo, levou-se alguns anos para que a própria compreensão, tanto dos artistas quanto do público, percebesse que o estilo japonês de quadrinhos ia muito além de personagens de olhos grandes, super poderes, pancadaria e sanguinolência em meio a algum universo com ares fantasiosos, e foi desse amadurecimento de percepção que é provável que uma obra como Ritos de Passagem – Quando Éramos Irmãos fosse realizada.

Nessa interessante história assinada por Lucas Marques, duas crianças que moram próximas uma da outra chamadas Ítalo e Erika estão prestes a entrar na escola e, ansiosos pelo momento, fazem um para o outro a promessa de que ao entrarem na escola serão “irmãos”. Ao começarem as aulas, tudo segue conforme o combinado, porém, em meio a todas as novidades que envolvem o ambiente que adentraram pouco a pouco os dois amigos se distanciam a medida que desenvolvem interesses diferentes e lidam com as suas respectivas experiências escolares cada um a sua própria maneira, com Ítalo apresentando dificuldades para fazer amizade enquanto Érika se adapta bem graças ao seu jeito mais extrovertido.

O garoto passa então a desenvolver sentimentos conflitantes em relação à sua “irmã” conforme o tempo na escola passa como ciúmes, inveja e egoísmo, aproximando-se posteriormente de um outro menino chamado Douglas, que expressa abertamente sua maldade no prazer em destruir coisas, e que em certo ponto acaba fazendo com que Ítalo fique contra Érika, colocando à prova a fragilizada relação de amizade entre os dois.

Baseada em uma experiência da infância de seu próprio autor, Ritos de Passagem se destaca como um MANGÁ com todas as letras maiúsculas que em nada deve a obras genuinamente orientais, tanto no seu estilo de arte quanto nas técnicas narrativas e sequenciais utilizadas para transmitir as ações e intencionalidades dos personagens que movem a história. Em meio a típicos cenários ordinários da vida real, que envolvem experiências relativamente universais da infância de qualquer pessoa, é abordado temas como a maldade infantil e os primeiros conflitos emocionais humanos com uma sensibilidade e delicadeza verdadeiramente únicas, mostrando que no quadrinho nacional a criatividade dos autores não transparece apenas em histórias dentro de ambientações fantásticas com feitos mirabolantes, e que a vida cotidiana também pode render histórias incríveis se contadas de forma correta e envolvente.

 

Mayara & Annabelle

Editora Fictícia / Conrad Editora / Divulgação

Sob a autoria dividida entre Pablo Casado (roteiro) e Talles Rodrigues (arte), os leitores de Mayara & Annabelle são apresentados na obra inicialmente a Mayara, uma funcionária pública que se destaca por suas eficientes habilidades ninja usadas a serviço de um órgão conhecido pelo nome de SECAFC (Secretaria de Assuntos Fora do Comum). Este local é uma divisão secreta governamental que atua em todo o país reunindo diversos guerreiros e indivíduos dotados do domínio de magia e poderes místicos para lidar com os mais diversos eventos sobrenaturais e seres demoníacos.

Após descobrir um sórdido segredo sobre um de seus superiores responsáveis pela sede paulista da organização, Mayara é transferida por influência de seu mentor à filial sediada em Fortaleza antes que corresse o risco de exoneração ou mesmo de vida. Ao chegar na base cearense, a disciplinada garota terá que dividir seu trabalho e sua convivência com a relaxada feiticeira Annabelle, única funcionária responsável pela proteção do estado que, por motivos a princípio misteriosos, não tinha incidentes frequentes, até o momento.

Com traço levemente inspirado na HQ canadense Scott Pilgrim Contra o Mundo e um roteiro também influenciado por animes como Kill La Kill e battle shounens, que mesclam elementos de ação e sobrenatural como Bleach e Jujutsu Kaisen, a saga da dupla entrega um enredo com doses de lutas e superpoderes sob medida com leves pitadas de suspense e até mesmo slice of life. A medida que o público acompanha o entrosamento das duas protagonistas por objetivos em comum, mesmo com suas diferentes linhas de pensamento e estilo de vida, a história vai trazendo uma trama urbana que mostra as possibilidades que duas metrópoles brasileiras de estados tão diferentes podem oferecer como palco para a construção de um universo com potencial para inúmeras outras histórias paralelas interessantes.

Vale lembrar que uma entrevista com os autores por trás da obra, além de seus planos e inspirações, foi realizada pelo ANMTV e pode ser conferida aqui.


WILLIAM GOMES

Sense Life

Glitch Tellend / Divulgação

A HQ do autor Glitch Tellend, que mostra o encontro de Noah, um garoto apático e sem interesse pela vida, e Kaleb, cuja a cabeça está a prêmio e conta com um super poder um tanto quanto peculiar, é um ótimo destaque para aqueles que procuram por novos ares dentro das produções nacionais e não tem medo de uma boa chuva de sangue e violência no meio do caminho.

Enérgica e repleta de diálogos que deixam qualquer mãe mais conservadora desesperada, a HQ Sense Life que, além de escrita é também desenhada por Glitch, escancara com muito carisma a qualidade que as novas produções trazem ao cenário brasileiro. Ainda que com algumas derrapadas de proporção no traço e algumas falas caricatas, a obra do novato de apenas 20 anos já mostra um grande potencial de evolução, tanto em sua arte desenhada quanto na produção de seus roteiros, que equilibram muito bem os diferentes perfis de seus personagens dentro dos acontecimentos da história principal.


DIEGO REGIS

HQ de Briga

Silva João / Divulgação

HQ de Briga é uma divertida obra escrita por Silva João e que brinca com alguns clichês deste mundo geek que tanto conhecemos e amamos. Quem já é acostumado a assistir um anime, principalmente uma animação estilo shounen, sabe que temos ali inseridos alguns personagens como o protagonista, algum rival que também funciona como amigo do protagonista e um vilão.

Nesta webcomic, estes personagens estão presentes exatamente desta forma: a trama acompanha um jovem chamado Protagonista, que estava treinando em algum lugar do Japão quando, de repente, um antigo conhecido chamado Rival Amigável aparece lhe chamando para participar de um torneio. O Protagonista recusa participar até saber que o Antagonista estará presente e, assim, poderá finalmente realizar a sua vingança.

Junto com os dois, também estará o Demônio, uma entidade que realizou um contrato com o Protagonista para que este se tornasse mais forte. Além deles, também temos os capangas do Antagonista que são os responsáveis por alguns momentos engraçados na trama como, por exemplo, se questionando do porquê de nenhum deles terem nomes e serem identificados apenas por números.

O design dos personagens é algo simples e a história segue uma narrativa igualmente simplificada. Não é uma trama que vá lhe fazer montar teorias na cabeça, contudo, lhe deixará curioso com o que vem a seguir, devorando cada quadrinho e fala com os olhos. HQ de Briga é uma história bem curtinha e lhe proporcionará momentos de leveza e bons sorrisos, ela é tão boa que irá receber uma série animada chamada Desenho de Briga, ainda sem data de estreia.

E qual é o seu quadrinho nacional favorito? Compartilhe conosco nos comentários!