Análise: Sonic Superstars – medianamente clássico, injustamente posicionado

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A fim de aproveitar o bom momento em que uma de suas mais icônicas franquias vem obtendo em outras mídias como os quadrinhos, as animações e os cinemas, a SEGA, em seu mais recente lançamento, Sonic Superstars, resolveu jogar no seguro e trazer ao público uma volta às origens com algumas pitadas de inovação que durante os trailers iniciais engajou bastante a parcela mais saudosista da base de fãs do ouriço azul velocista, ao demonstrar os novos rumos que a desenvolvedora passará a tomar de agora em diante usando tanto a versão clássica do personagem quanto a moderna, que protagonizou recentemente Sonic Frontiers.

Mas será que de fato a mais nova produção estrelada pelo personagem, fruto de uma parceria entre a SEGA e o estúdio Arzest de Naoto Ohshima cumpriu com o que prometeu e fez jus ao que o público estava esperando? Ou será que mais uma vez a SEGA deu uma escorregada com a “gestão de carreira” de seu mascote na mídia que é justamente o seu berço? É o que iremos descobrir adiante.

Retorno às origens, mas sem tanta originalidade

SEGA / Divulgação

No enredo de Sonic Superstars, o tradicional nêmesis do ouriço, Dr. Eggman/Robotnik, junta-se ao caçador de recompensas Fang e sua aparentemente atrapalhada subordinada Trip em um local conhecido como Northstar Islands para formar um novo exército de badniks aproveitando-se também dessa vez de alguns animais maiores que o comum do local para criar robôs de combate ainda mais poderosos para obter as Esmeraldas do Caos e dominar o mundo usando seus poderes ilimitados. Porém, mais uma vez Sonic e seus amigos descobrem os planos do cientista louco e partem ao lugar para libertar as criaturas que passam a estar sob o controle de Eggman/Robotnik e impedi-lo de cumprir seus nefastos objetivos.

Embora use de gráficos em 2.5D, a primeira impressão que temos logo de cara ao começar a jogar a fase inicial de Sonic Superstars, é talvez a de estarmos jogando uma sequência modernizada de algo que se encerrou há muitos anos atrás lá no auge do Mega Drive e seus 16 bits…o que seria algo realmente interessante SE outros jogos anteriores do personagem não tivessem existido antes para transmitir essa mesma sensação há mais de 10 anos atrás tal como Sonic Generations, nos níveis estrelados pelo mesmo Sonic clássico com o mesmo estilo gráfico ou até há cerca de cinco anos com Sonic Mania e seu estilo retrô.

Assim como em Sonic Origins, ao jogador optar pelo modo história, pode escolher entre 4 personagens para dar início a jogatina que são respectivamente: Sonic, Tails, Knuckles e Amy, com cada um deles trazendo consigo particularidades para o modo como a gameplay seguirá de acordo com a escolha feita.

Tal qual como em outros jogos anteriores, Tails aqui pode voar usando suas duas caudas ao se apertar sucessivamente o botão X/A do joystick enquanto está no ar, Knuckles pode planar ao se apertar o botão de pular novamente enquanto o personagem dá um salto e escalar paredes usando suas luvas de espinhos ao encostar nelas e Amy repete aqui o mesmo estilo de jogabilidade que foi apresentado na coletânea comemorativa, onde embora corra com um pouco menos de velocidade do que Sonic, que é o personagem mais veloz entre os 4, tem acesso a um recurso de pulo duplo e uma hitbox um pouco maior que a dos demais heróis para acertar inimigos no mapa através de seu piko piko hammer. O game, ao longo de seus 11 mapas, se apoia sobretudo no carisma de Sonic e sua turma, trazendo inclusive certos níveis que só podem ser jogados usando personagens específicos independentemente de qual o jogador escolheu a princípio além de uma extensão do modo campanha, que pode ser conferida jogando-se com uma quinta personagem que traz também consigo seu próprio conjunto de habilidades únicas.

Novidades, acertos e erros

SEGA / Divulgação

Entre as maiores novidades que a SEGA trouxe dessa vez para a nova aventura do seu “azulão”, destacam-se aqui os poderes únicos relacionados às esmeraldas do caos, os modos multiplayer cooperativo e competitivo e o já mencionado acréscimo de uma nova personagem após a conclusão da campanha principal. No que diz respeito à primeira inovação citada, cabe aqui comentar sobre diferentes experiências à gameplay que as esmeraldas proporcionam conforme vão sendo coletadas. Uma delas permite inclusive com que os personagens possam nadar ao se transformarem em um tipo de água-viva, algo que ocorre pela primeira vez em um Sonic 2D.

Contudo, embora se mostre uma novidade interessante, a nova mecânica das esmeraldas logo fica suscetível ao esquecimento por jogadores que queiram apenas “jogar Sonic conforme aprenderam a jogar Sonic” e esnobam o uso a ser feito de um segundo analógico para escolher uma habilidade entre as várias de um círculo que aparece em um canto da tela, o que pode indicar que embora a ideia até seja boa, precisa ser melhor desenvolvida ou de mais tempo para ser assimilada por jogadores mais tradicionais em um futuro próximo ou não tão próximo, uma vez que tal artifício por vezes até contribui para que o jogo pareça menos ágil, que é justamente o que o fã hardcore do ouriço menos deseja.

Níveis extras para a captura delas também não necessariamente engajam o jogador a se divertir após algumas tentativas, podendo deixá-lo inclusive propenso a não dar tanta importância à busca de tais ítens colecionáveis após ser exposto à dificuldade progressiva de cada nível conforme avança na obtenção delas.

Além dos níveis extras onde arriscam-se a tentar capturar as esmeraldas do caos, ao cruzar mastros espalhados pelo mapa que demarcam os check points, os jogadores podem escolher se adentram ou não pequenos buracos interdimensionais que aparecem acima deles e levam o personagem que escolheram controlar a fases bônus com estrutura similar ao do primeiro jogo de Sonic para Mega Drive e que, caso sejam completadas, dão ao jogador moedas, que também podem ser adquiridas ao se coletar 100 anéis espalhados por cada fase ao contrário de vidas extras, uma vez que nesse jogo não há um limite de vidas que levará o jogador a telas de Game Over e que posteriormente o farão retomar todo o percurso diretamente do início do game. Tais moedas são praticamente úteis apenas para a compra de peças que permitem o jogador montar, personalizar e equipar robôs que podem ser controlados ao se escolher a opção competitiva do modo multiplayer.

No que diz respeito ao modo multiplayer, cheguei a testar o modo cooperativo com um primo em idade infantil, que demonstra algum interesse por Sonic e o que pude perceber é que, aparentemente, jogar Sonic Superstars na companhia de outro jogador de forma cooperativa, só efetivamente funciona se ambos tiverem um ritmo similar de jogabilidade, uma vez que mesmo com os artifícios utilizados para manter o jogador mais “atrasado” acompanhando os eventos que vão ocorrendo na tela apertando um botão indicado, nem sempre o segundo (ou terceiro, ou mesmo quarto jogador) vai conseguir se adaptar em tempo hábil de um jeito que não atrapalhe o andamento do jogador principal. Isso me leva a crer que caso a SEGA deseje persistir na ideia de possibilitar que se jogue Sonic tanto em experiência solo como em dupla ou em equipe, precisa tornar tais mecânicas de multiplayer ainda mais aprimoradas. Nesta análise, o modo competitivo não chegou a ser testado.

Já quanto a versão jogável de Trip, obtida após finalizar o modo campanha, uma coisa interessante a se observar é a combinação de habilidades usadas para compôr o estilo de jogo da nova personagem, que consiste em duplos saltos mais altos que os de Amy, capacidade de escalar paredes e tetos similar ao do wisp cor-de-rosa Spikes visto em Sonic Colors e até a soltar pequenas bolas de fogo que “por um acaso” lembram a versão incendiária de ninguém mais ninguém menos que o próprio Mario, essa última referência talvez algo no mínimo inusitado.  Apesar de trazer mecânicas relativamente superiores ao dos demais personagens selecionáveis, que em tese poderiam tornar todo o percurso mais fácil, o jogo consegue alinhar sua dificuldade à escolha do jogador por Trip para fazer seu próprio modo campanha de forma adequada.

Entre erros que precisam ser evidenciados, o primeiro talvez que vale comentar é o de que SEGA e Sonic Team parecem ter esquecido de oferecer maiores informações do que de fato consiste a história do jogo. Nem no começo ou ao longo da experiência, uma vez que mesmo com a exibição de uma breve cutscene animada sem diálogos falados entre os principais vilões, o jogador não consegue ficar inteirado o suficiente sobre o motivo básico principal dos personagens estarem se aventurando para frustrar os planos de Robotnik mais uma vez sem ter que ir pesquisar um pouco por conta própria fora da experiência de jogo.

Batalhas contra os chefes, level design e trilhas sonoras alternam entre o criativo e o genérico, havendo por vezes, algumas ideias que pouco parecem combinar com o que se espera de um bom jogo de Sonic, como a de enfrentar o caçador de recompensas, Fang, munido de sua aeronave em cima de uma plataforma flutuante enquanto a tela vai se movendo sozinha para a direita, o que, definitivamente, não combina com o jogo de um personagem conhecido por incitar nos jogadores a combinação de velocidade e precisão tanto para cruzar cenários quanto para derrotar inimigos.

E ainda no que diz respeito a velocidade, é importante frisar aqui que há momentos em que se mover com rapidez quase parece algo de “punitivo” ao jogador que resolver levar os personagens a fazê-lo sem se importar com o que estiver a frente, uma vez que não é incomum em algumas fases dar de cara com inimigos camuflados, buracos ou projéteis que quase parecem estrategicamente disparados para te dar um “freio” e te obrigarem a limpar um pouco a área com o personagem que você estiver controlando no estilo clássico de um típico jogo normal de plataforma 2D.

Rivalizar Sonic e Mario ainda faz sentido?

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A proximidade do lançamento de Sonic Superstars com Super Mario Bros Wonder e o fato dos dois games disputarem a preferência dos entusiastas de jogos de plataforma com estilo 2D clássico, talvez de forma não intencional, acabou reverberando para o público a ideia de que a rivalidade entre o encanador italiano da Nintendo e o ouriço da SEGA, pode, agora, não só ter sido reativada como estar mais viva que nunca… mas será que tal confronto ainda faz sentido nos dias de hoje?

Bem, ao menos para o diretor executivo da SEGA, Osamu Ohashi, faz e bastante, uma vez que Mario é talvez o grande adversário a ser superado ao melhor estilo “rivalidade de battle shonen” de ser. Nas palavras de Ohashi (via WCCFTECH): “Sonic é um jogo que foi originalmente desenvolvido para competir com Mario e tal objetivo ainda não foi atingido. Nosso objetivo é alcançar e vencer o Mario porque nós o respeitamos. […] Quero que as pessoas joguem Sonic em todo o mundo, incluindo no Japão, que nem com o Mario, e desejo também que o próximo filme alcance um sucesso maior que o de Mario.”. Entre alguns dos ambiciosos projetos da SEGA citados pelo executivo japonês para a IP conseguir tal feito, estão inclusive a possível construção de uma área temática voltada para o Sonic dentro do parque temático da Universal Studios no Japão.

Mas e com base na atual realidade das duas franquias? Particularmente eu diria que o sucesso que tanto Sonic quanto Mario usufruem hoje são produtos da forma como suas empresas administraram as suas marcas ao longo das últimas décadas, cada uma com seus próprios percalços. Se por um lado a Nintendo sempre foi bastante protecionista com o Mario (impedindo até mesmo fãs de recriarem jogos do personagem ao seu próprio estilo) o bigodudo tem a seu favor o êxito único de bilheteria de sua última incursão nos cinemas e a constância de qualidade de jogos de sua linha principal que sempre foram grandes sucessos de público e de crítica, um mérito que talvez jamais seria possível se não fosse pela presença do desenvolvedor Shigeru Miyamoto e a equipe que o mesmo consolidou ao redor de si para cuidar de cada projeto.

Já Sonic teve que lidar com alguns altos e baixos na mídia onde surgiu ao longo de sua história embora conte a seu favor com uma franquia cinematográfica bem estabelecida (mesmo contra todas as expectativas iniciais) além de ter marcado por anos maior presença em outras produções como as animações para TV e os quadrinhos, onde segue em ambas com soberania absoluta, ainda que seu sucesso se limite mais ao território estadunidense e ao redor do mundo, do que no seu próprio país de origem.

Penso que não é ruim para uma franquia ou marca ter a ambição de um dia se igualar e até superar aquele que é seu maior concorrente, e até diria que Ohashi cumpriu bem seu papel profissional em expressar abertamente o desejo de que o produto da empresa que paga o seu salário atinja o seu máximo potencial, mas acredito que para que Sonic realmente possa chegar perto de conquistar essa meta, tem que se focar naquelas que são suas melhores qualidades e se comparar, sobretudo, com aquilo que já foi no passado e não com os jogos e o sucesso de uma outra franquia de um outro personagem que pouco ou nada tem haver com o que só ele tem de fato a oferecer.

Acho inclusive que é por isso que não vejo motivos para se comparar Sonic Superstars com Super Mario Wonder e sim com outros jogos do próprio Sonic, que tiveram algum êxito por um ou mais de um elemento e que provam que o personagem e sua turma tem potencial para entregar ao público muito mais do que vimos, como com Sonic Mania, Sonic Generations e Sonic 3 & Knuckles, mas para isso a SEGA precisa avaliar com mais atenção aquilo que tanto o público fidelizado deseja quanto o que pode vir a funcionar para atrair novos potenciais jogadores para as aventuras protagonizadas pelo ouriço, uma vez que a maior parte do novo público que está chegando ao personagem através do cinema, dos quadrinhos e do streaming, possivelmente pode não estar se empolgando o suficiente para querer consumir junto o que chega aos videogames, o que com certeza se reflete diretamente em números de vendas de jogos que, por tabela, são retroalimentados pela recepção de críticos ao produto final, fazendo a franquia entrar em um contexto problemático difícil de se livrar.

Veredito

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Apesar de algumas decisões duvidosas e erros apontados, não vejo Sonic Superstars como um jogo ruim, embora também não chegue a considerá-lo como um jogo espetacular, ele é simplesmente bom naquilo que se propõe, que é justamente divertir, mas só ser bom não basta para querer que o público pague por ele o preço cheio exigido, então posso dizer que é melhor adquiri-lo em valor promocional.

Acredito que o game pode ser uma boa maneira de apresentar a versão clássica do personagem para um público que está se familiarizando com o universo de Sonic agora e penso também que o fato de ainda ter ao menos satisfeito as expectativas de fãs consolidados, indica que embora a SEGA não esteja promovendo ou sendo parte de uma revolução na indústria de videogames como quando apresentou o personagem ao mundo, ao menos não está fazendo tão feio a ponto de espantar a audiência que já é cativa, o que nem de longe é um mal sinal para um personagem que ainda segue sendo tão importante para a indústria e a história dos videogames.

Sonic Superstars está disponível para as plataformas PlayStation 4 e 5, Xbox Series X|S, Xbox One, Nintendo Switch e PC.

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não remete necessariamente a posição do ANMTV*