Análise: Final Fantasy Tactics: The Ivalice Chronicles – A “fantasia final” para revender um clássico?

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Existe uma frase a qual eu não me recordo nesse momento a quem ela é atribuída, enquanto escrevo esse texto, mas que diz que: “Todas as histórias já foram contadas, mas não de todas as formas possíveis, e por isso, elas precisam ser sempre recontadas.”.

É talvez sob essa lógica, quase que poética, que infiro que pode sim ser importante para companhias ligadas à indústria de jogos eletrônicos, relembrarem produtos que outrora representaram grandes marcos em sua trajetória, assim como evoluções significativas no período em que originalmente viram a luz do dia, seja para a mídia a qual foram designados ou mesmo para a contribuição dada à cultura em geral.

Contudo, existe também o sentido prático e sobretudo adaptado ao contexto capitalista, de que se em algum momento um certo objeto que oferecia uma experiência específica alcançou bons números financeiros, há sim também a possibilidade desse mesmo “artefato” alcançar algum sucesso se talvez for devidamente bem “embalado” e promovido durante sua campanha mercadológica, ainda mais se boas ideias já não estiverem rendendo como antes para uma IP.

E agora a grande pergunta é: onde exatamente Final Fantasy Tactics: The Ivalice Chronicles está inserido nesse “espectro” que permeia muitas coletâneas, remakes e remasters em meio ao mercado de games atual?

Square Enix / Divulgação

Lançado originalmente no Japão em 1997, o jogo que encontra-se fora da linha principal da franquia Final Fantasy, foi uma surpreendente unanimidade positiva em sua proposta, onde transformava cenários de batalha no que pareciam maquetes ou tabuleiros de xadrez onde fatores como relevo físico, alcance de magias, intervalo para as evocações delas e a possibilidade de reações inimigas imediatas adicionavam uma interessante camada de complexidade estratégica acompanhada também de uma trama épica com direito a nuances políticas, em um bem articulado cenário de fantasia medieval daquelas que só a Square Enix, em seu maior período de auge criativo, conseguia oferecer ao público, encantando a muitos por toda a profundidade e sensibilidade presentes na narrativa contada.

Mas as questões que talvez dão uma consistência ao grande questionamento aqui é: a Square conseguiu de fato “acertar a mão” na forma como resolveu reapresentar um de seus melhores derivados daquela que é hoje uma de suas principais marcas de sucesso? O êxito glorioso de um jogo no passado é por si só suficiente para convencer jogadores antigos e novos a pagarem um preço cheio de seu suado dinheiro por ele para poder jogá-lo em plataformas atuais? Venha descobrir comigo a resposta para essas e outras dúvidas logo a seguir.

UMA AVENTURA SOB GUERRAS E CRISES

Antes de se abordar as novidades introduzidas em The Ivalice Chronicles e sobre como a jogabilidade do game funciona, é importante trazer um pouco aqui sobre o enredo que move a aventura, que é desenvolvida em diferentes períodos de sua linha do tempo e dividida em capítulos.

Square Enix / Divulgação

A princípio, os jogadores são apresentados no presente ao historiador Alazlam J. Durai, um estudioso que tem empregado esforços para descobrir o papel importante e aparentemente pouco comentado de um misterioso e jovem herói chamado Ramza Beoulve no desfecho da “Guerra dos Leões”, ocorrida pouco após o falecimento do monarca do Reino de Ivalice.

A crise sócio-política, que posteriormente culminaria na guerra propriamente dita, teria começado diante do fato de que o futuro príncipe herdeiro tinha apenas 2 anos de idade, e por isso Ivalice precisaria ser regida por um governante provisório.

O mais cotado para a sucessão era o irmão da rainha, o príncipe Larg. No entanto, o parlamento não era totalmente a favor dos métodos de governar da rainha e de sua casa real, e temendo um regime repressor e turbulento, elegeu o príncipe Goltana, primo do rei para assumir o posto.

Tendo ambos o apoio de diferentes grupos da sociedade e percepções divergentes sobre como o destino de Ivalice teria que ser conduzido a partir dali, os dois, que eram também respeitados generais desde a antiga Guerra dos 50 anos, decidem estabelecer facções militares que disputarão o território iniciando a chamada “Guerra dos Leões”, onde Larg era representado pela figura de um leão branco enquanto Goltana assumiu como símbolo a imagem de um leão negro.

E como se não bastasse a guerra atual que havia se iniciado, o reino de Ivalice também ainda estava lidando com os problemas decorrentes de uma derrota sofrida contra a nação vizinha de Ordallia, na assim batizada Guerra dos 50 anos, que deixou como “herança” consideráveis prejuízos econômicos gerados pela incursão bélica fracassada.

Graças a isso, inúmeras pessoas que serviram ao reino como soldados não foram remuneradas como deveriam por seus esforços apesar dos resultados inglórios, o que gerou um clima interno de insurreição generalizada e culminou na formação de múltiplos grupos paramilitares rebeldes, tais como a Corpse Brigade (“Brigada Cadáver” em uma tradução literal), lideradas pelo implacável Wiegraf Folles, que articulavam ataques e atos de rebelião contra representantes da aristocracia nacional a fim de ganhar cada vez mais poder, mesmo que à força e diante de um estado que estava vivendo sua mais tenebrosa crise.

Em meio a tal contexto caótico, o público é apresentado então ao protagonista Ramza Beoulve, durante sua juventude. Oriundo de uma família nobre e tendo atuado como aprendiz de cavaleiro durante sua infância e adolescência, Ramza agora exercia o cargo de cadete na organização conhecida como Ordem do Céu do Norte, junto com seu amigo de infância Delita Heiral, um indivíduo de origem plebeia que cresceu próximo de Ramza e junto de sua irmã mais nova Tietra, uma vez que sua mãe atuava como serviçal da Casa Beoulve.

No decorrer da história, pessoas que outrora eram aliados se tornarão inimigos, Delita, em especial encontrará uma nova motivação para guerrear seguindo um caminho oposto ao defendido por Ramza (para a angustiante surpresa de seu antigo amigo), enquanto outros personagens que a princípio pareciam apenas inimigos a serem abatidos em meio ao percurso, demonstrarão razões mais sólidas e humanas para lutar e aos poucos, o jogador mais atento aos diálogos e cutscenes do jogo perceberá a função exercida pela Igreja de Glabados dentro de uma conspiração que ameaça Ivalice nas sombras, orquestrada por seres demoníacos conhecidos como Lucavi, assim como o interesse de heróis, anti-heróis e vilões por poderosas pedras mágicas baseadas nos signos e constelações do Zodíaco, que podem ter uma influência crucial nos rumos da guerra que está em curso.

Final Fantasy Tactics: The Ivalice Chronicles sem dúvida promete para aqueles que estiverem conhecendo o jogo pela primeira vez ou até que o estejam o revisitando pelo fator “história”, uma experiência incrível e repleta de reviravoltas, críticas sociais e diferentes percepções de um conflito por agentes diversos que participam dele e suas consequências, numa saga que nada deve em qualidade a grandes romances e novelas de cavalaria clássicos e até mesmo contemporâneos.

UMA REVOLUÇÃO NO JEITO DE SE JOGAR RPG

Um ponto importante a se falar sobre Final Fantasy Tactics é que apesar de ser considerado “inovador” por muitos que o jogaram no período em que tornou-se um sucesso mundial através do primeiro PlayStation, o jogo não foi o primeiro RPG tático como conhecemos e muito menos a primeira iniciativa da então SquareSoft dentro do gênero, que em 1995 já havia tido uma bem sucedida experiência com o jogo Tactics Ogre: Let Us Cling Together, mas restrita inicialmente apenas ao Super Famicom (o Super Nintendo japonês).

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Estima-se que os primeiros jogos do estilo datem da década de 80, sendo o primeiro deles Bokosuka Wars, lançado em 1983 para computadores nipônicos e convertido para o Famicom (equivalente nipônico do Nintendo 8-bits) 2 anos depois. Em sua proposta, um rei precisava recrutar soldados e liderar um exército contra forças inimigas, precisando fortalecê-lo a medida que vencia os combates. A fórmula foi então aperfeiçoada pelo primeiro jogo da franquia Fire Emblem, da Nintendo, e replicada por outras desenvolvedoras, mas sempre restrita apenas ao público japonês e sem qualquer perspectiva de que o gênero tivesse o potencial de encantar audiências internacionais.

Contudo, o terreno para uma tentativa de se aventurar com um jogo do estilo em terras ocidentais, especialmente carregando o nome Final Fantasy, já estava relativamente fértil, principalmente com o bom êxito dos lançamentos internacionais de Final Fantasy VII no segundo semestre de 97, que tornou a franquia um verdadeiro sinônimo de JRPG para o mundo, ainda mais em um período onde seu então principal concorrente em potecial, Dragon Quest, da Enix, estava restrito a um sucesso puramente local, no Japão.

Eis que então Final Fantasy Tactics é apresentado ao mundo no início de 1998, e ao começarmos a jogar o game não é difícil entender o porquê tal projeto não demorou a conquistar o público. Em sua jogabilidade, um dos principais atrativos era a possibilidade dada ao jogador de formar um exército de personagens para participar de disputas com as primeiras classes (ou jobs) que estavam à sua disposição, podendo desbloquear outras a medida que fortalecesse as que já tinha e obtivesse cada habilidade que lhe era possível, trazendo ao público opções de personalização e de estratégias que provavelmente poucos jogos da época ofereciam.

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Aspectos como particularidades dos terrenos, tempo de conjuração de magias, posicionamento das unidades de batalha no cenário e até a chance de recrutar adversários para seu time (através da classe “Orador”), em meio a uma narrativa com múltiplas camadas, uma trilha sonora orquestrada com tons épicos e gráficos razoáveis para a época que em tempos atuais felizmente não foram tão mal impactados pelo tempo e pelo avanço tecnológico dos consoles fazem de Final Fantasy Tactics uma verdadeira jóia que ornamenta uma grande e vistosa coroa, e um retrato dos tempos em que a franquia não “dava ponto sem nó” para cativar seus entusiastas, sendo talvez uma das primeiras a mostrar para muitos o potencial a ser explorado de videogames como mídia para transmitir histórias que marcariam vidas e gerações.

Não por um acaso, o jogo foi relançado em décadas seguintes com um ou outro acréscimo de elementos que tornava cada uma dessas versões a “definitiva” para se ter, e provando que “o que é bom sempre volta”, tal qual a visita de um velho e saudoso amigo que você não vê a tempos e que ao interagir com ele…percebe que nada mudou, mas da forma mais otimista que isso poderia soar, visto que o reencontro ainda garante uma experiência boa.

Porém…Será que ao menos dessa vez, o que foi trazido pela Square nesta última edição do jogo justifica esse retorno e o que talvez você irá pagar por ele?

O QUE IVALICE TRAZ DE NOVO A VELHOS VISITANTES?

Entre as novidades positivas introduzidas ao menos na jogabilidade, está a oportunidade de conseguir observar o mapa onde as batalhas acontecem “de cima” ao se acionar um botão no controle, o que mitiga a limitação de visão que por vezes a câmera isométrica original do jogo apresentava nas versões anteriores.

É possível também agora acelerar combates mais simples com uma opção no menu e montar seu time de personagens vendo como eles serão dispostos no próprio terreno, além de se poder escolher se irá aderir ou não às batalhas que surgem pelo cenário com alternativas que aparecem antes de transições para elas.

O turno de cada personagem que irá realizar uma ação agora poderá ser observado na esquerda da tela e o “tutorial” para ir aprendendo a jogar agora acontece enquanto o jogador está no meio da ação, e não em uma opção à parte na tela de título como na versão lançada para PSP em 2007, o que em parte sugere uma interface mais amigável, embora possa também gerar algumas interrupções desnecessárias que possam quebrar parte da imersão do jogador nas partidas.

A dificuldade do jogo conta agora com uma opção de ajuste, onde é possível desde facilitar ao máximo a jogatina até tornar os confrontos um verdadeiro desafio estratégico, tornando o produto palpável para todos os perfis de jogadores.

E mesmo se você for daqueles que não estejam interessado nos ajustes trazidos por The Ivalice Chronicles, é possível também antes de começar a jogar optar pela versão integral do primeiro PlayStation, que contou com uma tradução atualizada com base na versão de The War of the Lions (a que foi lançada originalmente para PSP e plataformas mobile posteriormente).

Já nos aspectos negativos, o primeiro a destacar é a (gritante) ausência de uma tradução oficial para português brasileiro, algo que infelizmente pode privar uma parcela significativa de jogadores de usufruir de uma das coisas que Final Fantasy Tactics melhor tem a oferecer, que é sua história e os ricos diálogos que a compõem.

Square Enix / Divulgação

É sério, eu realmente não queria soar repetitivo em relação a minhas críticas sobre a ausência de localização em nosso idioma de alguns dos últimos jogos da Square que analisei, mas não dá para não dizer que isso não joga contra a “democratização” que a própria companhia propõe ao revendê-lo, especialmente quando lembramos que as versões pixel remaster recentes de Final Fantasy I ao VI contaram com localização em nosso idioma já nos seus lançamentos.

Outro ponto que considerei um tanto quanto limitador é que o modo multiplayer introduzido na versão de PSP do jogo não foi trazido de volta e aprimorado para as plataformas atuais, o que poderia contribuir para o prolongamento da vida útil do jogo após finalizada a campanha principal, especialmente através de partidas online.

VEREDITO

Final Fantasy Tactics: The Ivalice Chronicles é sem dúvida um clássico, que serve sobretudo como uma prova do que a Square um dia já foi capaz de fazer para conquistar o público através de suas produções. Porém, o feito notável da empresa no passado não justifica a maneira um tanto quanto preguiçosa como a Square de agora está se propondo a relançar essa que um dia foi (e ainda é) uma de suas maiores produções.

É até importante destacar que Final Fantasy ainda encontra-se em um momento um tanto quanto delicado de sua grandiosa história nos videogames, e por isso precisa de todo tipo de recurso que possa fazer com que seu público possa ser renovado e fortalecido, de maneira que alguns desses elementos incômodos apontados possam serem inclusive corrigidos puramente com o acréscimo de uma atualização futura, que quem sabe talvez tornasse essa a “fantasia final” derradeira de um jogo que sabe-se lá quando será reapresentado a novas gerações de consoles novamente, se é que será.

Para concluir, diria que o verdadeiro valor de um clássico dos games hoje é talvez uma média entre o que a empresa que o criou pode fazer para torná-lo ainda mais atrativo ao público em um relançamento e o que a comunidade de consumidores espera que ele possa oferecer para se sentir “atendida” e responda com a carteira em sua mais plena satisfação.

Final Fantasy Tactics: The Ivalice Chronicles está disponível para PlayStation 4 e 5, Nintendo Switch 1 e 2, Xbox Series S/X e PC (via Steam).

Nota: 8.5/10

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não remete necessariamente a posição do ANMTV*