Zankyou no Terror: A complexidade de um enredo atual e polêmico

MAPPA / Divulgação

ATENÇÃO: ESSE ARTIGO TERÁ ALGUNS SPOILERS DA OBRA. 

Quando as pessoas, que não tem conhecimento em animes, dizem que esse tipo de obra audiovisual é para criança, elas realmente não entendem que existem obras tão violentas ou ainda tão complexas, que não é destinada ao público infantil. São vários e vários exemplos de animes que tem pegada mais adulta e que, muitos deles, refletem a sociedade no qual vivemos hoje em dia. Dentre eles, está Zankyou no Terror ou como é conhecido no ocidente, Terror in Ressonance, uma das grandes obras lançadas nos últimos anos mas que raramente é citado como uma obra digna de aplausos. Mas o que faz desse anime ser tão intenso e interessante? Mas por que essa obra não é tão falado, já que é algo tão incrível?

Antes de começarmos, vamos a sinopse. A história basicamente trata-se de um ataque terrorista à uma instalação nuclear do governo japonês, donde causou inúmeros estragos. Ao se ver acuada, o governo procura incessantemente os responsáveis pelo ataque na usina, sem nenhum sucesso. Até um dia um vídeo sair na internet, onde dois adolescentes desafiam as autoridades os ameaçando causar mais danos a cidade. Consequentemente o vídeo acaba por viralizar, causando pânico e grande alvoroço na população. Cabe agora ao detetive Kenjirou Shibazaki descobrir toda história por trás dos acontecimentos.

Pela sinopse, já percebemos algo que é bem peculiar e que não é muito difundido em animes: ataques terroristas. Isso por si só, já é um grande chamariz e um diferencial para chamar a atenção para obra. Porém, não é somente por isso que vai chama-lo para a obra, muito pelo contrário. Se você está procurando por uma exploração aprofundada, que entra nas raízes do terrorismo, presente no título da obra, você está enganado. Essa obra não será para você. Embora o tema seja abordado às vezes, o gênero de suspense e o próprio terror é apenas uma ferramenta que o programa exerce para esculpir seu comentário sócio-político sobre o Japão. E isso é muito interessante, para entendermos melhor todo seu contexto.

A história começa em um ambiente realista da atual Tóquio. Dois adolescentes terroristas, que usam os nomes de Nove e Doze, explodem o prédio do Governo Metropolitano de Tóquio e, no processo, envolvem acidentalmente uma garota chamada Lisa Mishima. Flashbacks revelam que Nove e Doze escaparam de uma misteriosa instituição quando eram crianças, ocultando suas motivações em mistério. A partir de então, o anime continua sua rotina processual que dura alguns episódios. Nove e Doze plantariam uma bomba, lançariam um vídeo no YouTube com o nome de ‘Sphinx‘ e desafiariam a polícia a resolver um enigma antes da próxima bomba explodir. Todos os enigmas são baseados na tragédia grega Édipo Rei. E essa escolha interessante que dá ao público nuances paralelas para pensar, especialmente a ideia de patriotismo e sacrifício na busca da verdade. Nós também somos apresentados a Shibazaki, um detetive que é pego no jogo de gato e rato contra a Esfinge. Ele é um personagem que foi expulso da sociedade como Sphinx e Lisa. Esses primeiros episódios são condensados ​​tematicamente e fornecem pensamentos sólidos sobre a sociedade moderna.

Os personagens de Zankyou No Terror não são complexos, afinal de contas, o show é mais tematicamente focado em comparação a ser focado no personagem. Terror in Ressonance não está tolerando os atos de violência dos personagens principais, mas quer que os espectadores reflitam sobre por que foram forçados a cometer esses atos, e isso é interessante de notarmos essa inversão de expectativa. A obra consegue evocar as profundezas emocionais de sua principal dupla terrorista e Lisa, que é a necessidade de escapar das garras da sociedade moderna, o impulso juvenil de desafiar o mundo que os rejeitou e o desejo de conexão humana. Isso não teria sido possível sem a brilhante estética e produção, que são definitivamente o ponto mais forte do programa. A direção polida está entre as melhores que eu presenciei nos últimos tempos (apesar de ser um anime de 2014), levando a experiência de visualização a um nível cinemático às vezes. O anime manipula eficientemente ângulos de câmera e paletas de cores para aumentar a atmosfera, enquanto a iluminação enquadra as cenas propositadamente, provocando uma sensação de alienação e completo “desentendimento”.

Muito do sucesso dessa obra para pelas mãos de Yoko Kanno, que é a diretora/compositora de série, e sendo assim, toda musicalidade passa por ela. Yoko entrega absolutamente algo espetacular quando se trata da trilha sonora, com uma inspiração no ritmo islandês, pois a música é uma mistura de acústica e eletrônica que define o clima perfeitamente, com uma “constância de invocação” da melancolia sentida pelos personagens. Trouxe uma empatia necessária para executar os melhores momentos do anime.

É claro que o show não está isento de falhas, que estão principalmente no seu roteiro. O programa pega uma rota genérica às vezes, e quando você tem um anime que está enraizado no realismo das situações, muitos eventos acabaram exigindo a suspensão da descrença, o que pode adiar alguns espectadores. Essa falha apareceu com a introdução do antagonista da série, Cinco, um agente implantado pelo governo dos Estados Unidos. A intervenção norte-americana destacou a relação problemática eles e o Japão e isso é muito interessante, mas Cinco caiu muito caricata. Como amiga de infância de Nove e Doze da misteriosa instituição, sua educação anormal pode ter sido a razão de seu comportamento extremamente infantil, mas muitas vezes ela foi jogada no ar, com sua teatralidade dramática. A configuração de seus planos era ridícula e digna de uma framboesa de ouro, o que levou a alguns cenários bobos que entraram em conflito com o tom que a obra queria nos passar. Porém, não é algo que rebaixe muito o seu nível técnico, mas é um ponto a se destacar.

Além das explosões, dignas de Michael Bay, Zankyou no Terror tem muita profundidade para se inspirar com suas idéias de uma sociedade cada vez mais modernizada e suas armadilhas, enquanto paralelamente, isso seduz a todos. Ao incorporar peças sofisticadas de tecnologia atuais, como Twitter, YouTube e moeda virtual, os espectadores pensam na fragilidade de nossa realidade atual. Embora, não forneça respostas, o trabalho incrível na direção de Shinichiro Watanabe (diretor de Cowboy Beboop, Samurai Champloo, dentre outros), é certamente mais do que capaz de gerar uma imensa quantidade de discussão sobre o que isso significa para os personagens e para o mundo atual.

No geral, Zankyou no Terror é uma ótima pedida, com todos seus ideias bastante interessantes e complexos. Tem todos os elementos que precisa em uma história para o sucesso: ajuste de música, mensagens subliminares, personagens bem arredondados, ótima arte e um enredo intrigante. Zankyou no Terror ficou um pouco mascarado, na época em que foi lançado e não teve um grande sucesso que outras obras lançadas na mesma época como Tokyo Ghoul, Gekkan Shoujo, Sword Art Online II e Akame Ga Kill. Porém, apesar de ser abafada por outras obras, ela é uma grande pedida para quem quer ver um enredo complexo, atual e que nos leva a reflexão sobre a sociedade atualmente. E isso é um chamariz para reflexão. Assistam Zankyou no Terror que vocês não irão se arrepender.