Análise | Digimon Adventure | Final de Digimon (ou seria “O anime do Taichi”?)
O reboot do anime clássico de Digimon Adventure ou Digimon Adventure: 2020, como já é chamado por muitos, chegou ao seu fim neste domingo (26) após iniciar sua longa jornada de 67 episódios, lá no começo de abril de 2020. Entre altos e baixos, Digimon Adventure: (sim, com essa grafia e sem nenhum subtítulo após os dois pontos) trouxe nostalgia aos fãs, surpreendeu, decepcionou, emocionou, irritou em alguns momentos e relaxou em outros. Mas qual foi, de fato, o saldo de toda essa experiência que durou mais de um ano para ser concluída? Siga a leitura abaixo e descubra qual foi o veredito.
Não demorou muito para que após o anúncio de sua estreia, Digimon Adventure: deixasse as expectativas dos fãs da série clássica nas alturas, afinal, ainda que se tratasse de um reboot, sem nenhum comprometimento de continuidade com a animação dos anos 90, essa seria uma ótima oportunidade para cativar uma nova geração de espectadores e reescrever a história da equipe clássica de digiescolhidos, sem cair nos erros da série original e suas outras produções subsequentes. Uma tarefa que, aparentemente, não foi completamente aprendida por Masato Mitsuka, Yuuichi Tsuzuki e Atsuhiro Tomioka creditados como Diretor, Storyboard e Diretor de Episódio e roteirista principal, respectivamente.
Que Digimon, durante toda a sua franquia, sempre fez questão de destacar seus líderes em troca da falta de aproveitamento de seus companheiros de equipe ou de um desenvolvimento decente do grupo como um todo, isso nunca foi segredo pra ninguém. No entanto, mesmo estas falhas em suas produções sempre vieram acompanhadas de pequenas intervenções como episódios específicos para alguns personagens “secundários”, um desenvolvimento de personalidade jogada aqui ou um background construído ali, algo que ajudasse a não formular de fato uma crítica dos fãs a construção tendenciosa da obra. E assim, a ideia de “fingimos ligar para o grupo e vocês fingem não ver a nossa preferência por um personagem específico” foi perdurando ao longo dos anos.
Mas o público, assim como os digiescolhidos, cresceu. E as novas gerações, tal qual os digimons, evoluíram em comparação a anterior. O autoconhecimento e a necessidade de se ver num grupo, representado como um protagonista que não esteja necessariamente nos moldes de Taichi, está mais forte do que nunca. E apostar o retorno de uma franquia de extrema relevância no protagonismo de um único personagem, foi o primeiro erro de sua equipe de direção. E se até então tudo vinha sendo “equilibrado” com uma cortina de fumaça, o reboot de 2020 chegou metendo o pé na porta e abraçando seu lado tendencioso, deixando seus holofotes sob taichi até o último momento possível. E não que isso fosse um delírio de fãs inconformados, pois em 2020, logo após o hiato do anime em razão da pandemia do Corona Vírus, Tomioka corrobora esta visão ao contar na edição de junho da revista V Jump que, de fato, Digimon Adventure: apresentaria um taichi que seria uma fusão de suas duas versões primárias. Alguém com o mesmo espírito e personalidade corajosa de sua versão animada de 1999, mas com um enfoque maior em sua jornada repleta de batalhas, tal qual seu homônimo nos mangás de V-Tamer 01, que antecedeu o anime clássico.
E assim adentramos Digimon Adventure: aonde, além de apresentar tudo o que foi dito até aqui, também pôde contar com um roteiro repleto de furos e incoerências que vão desde a ida inexplicada de um personagem para outro mundo, quedas que (do nada) se transformam em voos, sumiço de protagonistas por 3 dias e ninguém sentindo falta ou se importando pelos mesmos ao reencontrá-los, ataques de fogo embaixo d’agua, digievoluções com digimons exaustos e movimentações em ambiente submerso que desconsideram o atrito com a água. Sem mencionar o fato da escolha absurda em colocar as crianças montadas em seus digimons evoluídos para sofrerem (ou não) os mais diversos efeitos das batalhas – sejam ataques mortais que por conveniência do roteiro não matam, chamas que não queimam ou nenhuma lei da física que, convenientemente, parece não se aplicar a eles.
A medida em que acompanhamos os episódios do reboot, torna-se ainda, latente a falta de tato de sua direção ao trabalhar o tom de como seria o digimundo, pois uma vez que já estamos nos acostumando com a ideia de que essa versão do lugar digital é mais selvagem e cruel, com um predomínio de seres gigantescos em formas primitivas, são inseridos – depois de quase 10 episódios- personagens mais inteligentes -alguns poucos, carismáticos- e de formas humanoides, quebrando totalmente a construção de sua proposta anterior.
E por falar em personagens, a nova versão de Adventure é um desastre quando se trata de trabalhar qualquer personagem que não seja seu garoto preferido. Yamato, aparentemente só ganha destaque por ser parte da formação de Omegamon, o mesmo vale para Takeru e Hikari que, mesmo tendo um arco todo voltado para seus digimons sagrados, são ofuscados pela forçação de barra do roteiro em destacar agumon e seu parceiro. Koushirou praticamente assume o papel de sidekick nos momentos iniciais da trama e conseguindo ser bem desenvolvido uma vez ou outra. Sora, Mimi e Joe – ainda que com construções de personalidades de grande potencial para um desenvolvimento- também são largados ao relento para serem meros coadjuvantes – mesmo tendo os episódios focados em Mimi, como alguns dos mais memoráveis e emocionantes da série. Quanto aos vilões da animação, mesmo estes não escapam do mal aproveitamento. Sendo alguns destes, sequer providos de falas, com designers preguiçosos e sem nenhuma personalidade.
Mas nem tudo está perdido em Digimon Adventure:. Em termos técnicos, Akihiro Asanuma, como diretor chef de animação, consegue trazer resultados bastante relevantes para o projeto, tendo como principal destaque, as cenas de batalha que dificilmente deixam a desejar. Já Katsuyoshi Nakatsuru, que assina como designer de personagens, ao mesmo tempo em que se assemelha ao traço do anime de 1999, entrega um produto refinado, saudosista, mas com sua própria personalidade. Toshiki Amada, responsável pelas artes de fundo, traz deslumbrantes ambientações para o mundo digital. Já a trilha sonora – com exceção da pavorosa abertura de Takayoshi Tanimoto, que em 67 episódios não consegue emplacar – se mostra muito assertiva em seus momentos de ação e drama, bem como suas canções de encerramento que, em um ou dois episódios, já se tornam ecoantes na cabeça de seu público.
De uma maneira geral, Digimon deixa em seu público um sabor amargo na boca, apresentando narrativas bastante mal trabalhadas ou descartáveis ou que poderiam ser aplicáveis em momentos iniciais da trama – e não em seus últimos episódios para não precisar correr com tudo depois -, problemáticas forçadas, motivações de personagens mal detalhadas, resoluções meia boca, opções narrativas que poderiam ser melhor desenvolvidas ou sequer foram aproveitadas e uma ideia de protagonismo socada goela abaixo de seu público. Apesar de algumas pérolas no meio do caminho, como alguns episódios mais dramáticos, referências a obras anteriores da franquia e de outros estúdios, Digimon Adventure: torna-se ofuscável não apenas perante a concorrência, mas a seu próprio histórico como franquia. O anime se perde em seu ritmo acelerado de constantes batalhas e uma má organização de episódios promissores, que levantam a dúvida: não seria mais prático, apostar em uma temporada mais curta, conforme a maioria das produções fazem hoje em dia, para então reparar seus erros numa próxima? Uma pena que, neste caso, a coragem acabou se tornando o seu pior inimigo de batalha.
Digimon Adventure: está disponível no Brasil através do serviço de streaming Crunchyroll, com áudio original e legendas em nosso idioma.
*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não remete necessariamente a posição do ANMTV*
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