Lançado em outubro de 2015 e finalizado em dezembro do mesmo ano, o anime de 12 episódios One Punch Man foi uma produção do estúdio MadHouse, com direção de Shingo Natsume e roteiro de Tomohiro Suzuki.
A história é uma adaptação do web mangá de mesmo nome, atualmente publicado no site da Weekly Young Jump, revista seinen da editora Shueisha. Com roteiro original de alguém que atende pelo pseudônimo “ONE” e desenho de Yusuke Murata, a história original de One Punch Man acompanha Saitama, um herói tão forte que é capaz de vencer todos os seus inimigos com apenas um soco.
Sátira bem humorada
A história começa 3 anos antes, quando Saitama, desempregado, passa por uma experiência que reacende em si mesmo seu antigo sonho de infância: tornar-se um herói. Pelos três anos seguintes, ele seguiu uma rotina estafante de treinamento, e eventualmente se tornou tão forte que agora pode vencer qualquer um com apenas um soco.
Fisicamente imbatível, Saitama conquistou seu antigo sonho — embora não da maneira que esperava. Em primeiro lugar, porque agora sua vida é um tédio: nada mais lhe ameaça e todos os seus confrontos terminam em um instante. E em segundo lugar, a capacidade de vencer seus inimigos rapidamente faz com que ninguém se importe com sua existência.
As coisas entretanto começam a mudar quando ele decide entrar para a Associação de Heróis, na esperança que pertencer à organização ao menos o torne alguém conhecido.
Em si, o anime começa como uma sátira aos mais conhecidos clichês dos mangás shounen, a exemplo das lutas de longa duração, de vários episódios, que aqui se encerram em questão de segundos. E enquanto esta é, de fato, a piada central em One Punch Man, uma subversão anticlimática da estrutura que estamos acostumados, a obra também brinca muito bem com diversos outros clichês. Não vou detalhar isso agora por motivos de spoilers, mas posso dizer que, enquanto um anime de comédia, a obra é excelente… No começo.
Para além da comédia: ação e algo mais
Se a obra começa como uma comédia, logo ela ganha tons um pouco mais sérios. Não muito sérios, mas conforme a história avança a ação vai despontando como o elemento central, com a comédia entrando num papel pouco mais secundário. Não que isso seja uma crítica: a ação é ótima.
O MadHouse é certamente um estúdio bastante capaz e a animação de One Punch Man claramente evidencia isso. A série sabe ainda brincar muito inteligentemente com os traços de seus personagens, modificando o design com a intenção de enfatizar momentos de seriedade, perigo, ou pura e simples comédia. Foi um excelente trabalho de animação, o que torna One Punch uma obra visualmente interessante, plenamente capaz de atrair a atenção de quem assiste.
Contudo, a mudança de tom que vemos em comparação aos primeiros episódios não se limita apenas ao maior enfoque na ação. Um pouco avançado, o anime começa a despontar algumas questões que, sinceramente, não esperava encontrar ali. Questões como o que significa ser um herói, o valor do esforço, a ideia de espetáculo, etc.
Mas afinal, o que é One Punch Man?
Com as apresentações feitas, a partir daqui me aprofundo um pouco mais a respeito da obra, mas fazê-lo irá exigir alguns spoilers. Se você ainda não viu o anime e não gosta de revelações do roteiro, interrompa a leitura e passe ao próximo tópico.
Conforme me preparava para escrever essa resenha, percebi que tinha dificuldade em entender um elemento fundamental: o que é esse anime? Mas ao final, o que percebi é que entre o que ele se propôs a ser, o que ele procurou satirizar e como ele foi recebido, existe um “ponto de encontro” destas três linhas que melhor define aquilo que o anime de fato se tornou.
A princípio, a obra começou como uma comédia. Não há como negar isso. A proposta original — e aqui de forma nenhuma pretendo dizer que ela foi abandonada depois — é a de uma sátira. E isso não fica evidente somente pela forma como Saitama finaliza seus oponentes tão facilmente. Os vilões apresentados também são um bom exemplo, quase todos apresentando algum background típico das histórias de heróis, desde os obcecados por poder, passando pelos que lutam por um ideal, até os populares “kaijins”, monstros enormes capazes de destruir quarteirões inteiros.
A interação entre os personagens e as formas como reagem aos perigos que enfrentam são também outros bons exemplos do caráter satírico, a exemplo de quando os personagens se aproximam da “Casa da Evolução”, que estava preparada com inimigos e armadilhas por todos os andares. Em um mangá shounen padrão isso implicaria em um arco inteiro dos personagens subindo todos os pavimentos, mas aqui a situação é resolvida em segundos com o Genos explodindo o prédio inteiro de uma só vez! Como disse: quando o anime que ser engraçado, ele é hilário.
E nisso chegamos à recepção do anime. Apesar de se vender como uma obra de comédia, ele foi muito mais saudado como uma obra de ação. Muito se falou de como Saitama é forte, bem como muito se elogiou os combates. Alguns também perceberam que a obra levanta temáticas mais sérias. Em particular, todo o arco Rei do Mar é um comentário sobre o significado de ser herói, bem como um comentário no fato de sentirmos essa estranha necessidade de ver o herói se esforçar numa luta, algo que toca muito no nosso senso comum de que a vitória só vem após um grande esforço. Quando não vemos esse esforço, pensamos exatamente como as pessoas que viram Saitama vencer o Rei do Mar, sem conhecer toda sua extenuante rotina de treino: “trapaça”, “sorte”, “coincidência”, e outros termos.
Uma obra autoral
O que de fato é One Punch Man? É uma comédia? É uma obra de ação? Uma crítica? A obra provavelmente está em algum lugar no encontro de todas essas definições, mas o porquê disso é que é de fato algo interessante. ONE começou a escrever a história por puro hobby, e somente depois que Murata ofereceu publicação num site popular é que ele começou a ganhar financeiramente com o título. Nesse sentido, foi uma obra absurdamente descompromissada desde o seu momento zero, e um ambiente onde ONE poderia experimentar à vontade. Comédia, ação, drama, crítica, por mais que queiramos categorizar a obra em uma ou duas caixinhas claras, a verdade é que cada capítulo é tão somente aquilo que ONE queria que fosse.
Sim, One Punch Man surgiu como uma obra de comédia, mas o universo e personagens criados tornou praticamente impossível sustentar somente isso. Querendo ou não, é uma história sobre super-heróis e as ameaças que eles enfrentam.
A adição de outros personagens, de vilões verdadeiramente ameaçadores, de ação desenfreada, tudo culminando naquele inimigo final, nada disso foi um erro do autor, ou algum tipo de inconsistência, como muitos poderiam pensar, mas um escalonamento que faz perfeito sentido dentro de seus limites. Aliás, dentro dos limites inclusive do autor: duvido que qualquer um achasse divertido escrever a exata mesma piada repetidas vezes; então faz sentido que ONE tenha essas “flutuações” entre uma ação mais “séria” e uma comédia mais “escrachada”.
Não raras vezes um autor precisa se dobrar à vontade de críticos, revistas e editores, mas publicando por mero hobby, ONE conseguiu um espaço onde a obra poderia florescer como apenas ela mesma, ou aquilo que ele queria que fosse. E é, eu sei que tudo que falei talvez seja muito mais referente ao mangá, mas sendo o anime uma adaptação do mesmo ele está inevitavelmente “amarrado” ao roteiro original, tendo pouco ou nenhum espaço para mudanças.
One Punch Man é satírico e épico. É dramático e é anticlimático. É engraçado e sério. É descompromissado e crítico. É uma obra imensamente contraditória. Imaginativa e criativa; uma adaptação primorosa em todos os elementos técnicos possíveis, da animação à trilha sonora. E acima de tudo, é uma obra que entende e abraça plenamente o que é e segue com isso do começo ao final, oferecendo um verdadeiro espectro de situações que irão facilmente capturar a atenção de quem a vê. Definitivamente vale a pena conferir.
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