Se você perguntar para um adulto de mais de 35 anos, muito provavelmente ele saberá quem é Jaspion. Se a pergunta for voltada para um jovem de até 20 anos, a resposta será mais vaga. Mas se a pergunta for direcionada para o público com idade entre esses dois intervalos, a resposta vai variar entre alguns “Um herói incrível“, “o melhor tokusatsu que já vi” e finalmente: “Jaspion? Ele era fantástico!”
O Fantástico Jaspion estreou no Brasil em 1986, ainda tímido, sendo distribuído em videolocadoras (um dos negócios mais rentáveis para pequenos empresários nos anos 80) pelo visionário Toshihiko Egashira, que percebeu o grande sucesso que heróis japoneses poderiam fazer no Brasil quando notou que lucrava muito com os VHSs desses seriados, ainda em língua nativa, que ele locava em sua locadora, no bairro da Liberdade.
O boom do herói só aconteceu cerca de pouco mais de um ano depois de aterrissar no Brasil, quando a Rede Manchete passou exibir o seriado em seus programas infantis. Mesmo sendo exibido junto com o seriado Changeman, e mesmo comparado com seus sucessores, nenhum outro tokusatsu conseguiu tamanho sucesso de audiência ou vendagem de produtos licenciados.
Visto de um ponto-de-vista frio, é estranho entender o porquê do sucesso de tal fenômeno, já que Jaspion, a uma primeira vista, não apresenta nenhum diferencial diante dos heróis mais famosos do Japão, ou mesmo se comparado aos heróis dos games e animes. Mesmo no Japão, o herói fez pouquíssimo sucesso, sendo quase cancelado, o que não apenas ocorreu por a Toei Company (gigante japonesa na produção de tokusatsu) conseguir realocar o seriado num horário de menor repercussão dentro da grade de TV Asashi, emissora que até hoje transmite os principais seriados tokusatsu japoneses. Essa rejeição se deu, principalmente, pelos vários traços que Jaspion importou da trilogia dos detetives espaciais (Gavan, Sharivan e Sheidder) que o precederam, o que foi considerado “plágio” pelo público nipônico.
A resposta para tal indagação só vem após reconhecer os valores mais singelos e quase desapercebidos da história do herói e entender como o contexto sociocultural influenciou a alta audiência do seriado.
Jaspion tem um enredo infantilmente simples, mas que se funde a um drama maduro que muito agrada aos fãs de ficção científica. Aliado a isso, nos anos 80, o abarrotamento de títulos nas bancas de heróis americanos da DC e Marvel Comics (mesmo estas estando passando por uma época de ouro) pedia novidades, algo que fugisse dos padrões estabelecidos, e é aí que entra nosso herói japonês.
Para início de conversa, diferente de Bruce Wayne, Peter Parker ou Clark Kent, Jaspion não possui um identidade secreta, é só Jaspion e pronto. Ele é herói o tempo todo, não compartilhando de vidas duplas ou segundos planos ou carreiras; seu foco é unica e exclusivamente a missão passada pelo profeta-ancião Edin: vencer Satan Goss (Satan Gorth, no original) e livrar a Terra (e, de quebra, o universo inteiro) de se tornar o Grande Império dos Monstros sonhado pelo inimigo.
Aliás, qualquer semelhança com os objetivos do vilão e aparência das vestimentas, naves e robôs com Star Wars não é mera coincidência. Os produtores do seriado eram grandes fãs dos filmes de George Lucas, por isso várias pitadas deste rico universo foram adicionadas a Jaspion.
Mas, voltando ao herói, um seriado infantil não consegue prender a atenção dos pequeninos se não tiver elementos que as entretenha. Em Jaspion, são três os principais chamarizes:
– a personalidade do herói: Jaspion é um herói bonachão, divertido, brincalhão e cheio de caras-e-bocas quando não está em ação, mas se torna um ser responsável, confiante e determinado nas horas mais precisas, seja com ou sem o uso da metaltex, a armadura que ele veste em um movimento muito singelo e muito fácil de ser imitado pelas crianças.
– a qualidade dos monstros: muitos pais acreditam que as crianças “compram” qualquer ideia fantasiosa na frente da TV. Enganan-se. Mesmo em idade de educação básica, as crianças já conseguem medir o quão importante pode ser o tempo dedicado a assistir um seriado e o elemento monstro exerce muita influência. Quanto mais interessante aos seus olhos, mais a criança terá interesse em continuar a assistir e a entender como o herói bonachão vai dar conta do terror do monstro. O visual é um aspecto importante e que é muito bem trabalhado em Jaspion: monstros e vilões sem exageros, misturados com vários elementos terrestres, pré-históricos e sem repetecos de fórmulas americanas e japonesas.
– o Gigante Guerreiro Daileon: se o leitor já assistiu Changeman ou algum seriado da franquia Power Rangers, sabem como as lutas de robôs se desgastaram com o tempo e sabem como elas tendem a ser cansativas e monótonas. Apesar dos padrões da época (aparecer em todo episódio, finalizar com o mesmo leque de golpes), Daileon foi um diferencial em Jaspion. Primeiro, por o robô gigante ter ao longo de seriado diversas lutas interessantes, com movimentos que enchem os olhos das crianças, cheios de golpes e ações inesperadas. Segundo, por o visual do robô dar a sensação de grandeza que um robô gigante precisa ter e não possuir elementos que incomodam o telespectador, como a cabeça cone do ChangeRobô, por exemplo. Terceiro, porque uma luta de robôs era inédita nos anos 80 do Brasil; o máximo que os brasileiros já tinham assistido em proporções quilométricas foi um Ultraman aumentar de tamanho ou um Godzilla destruindo toda a cidade.
Também é de se levar em conta o papel formador que a TV exercia em plena década de 80. Com uma inflação exorbitante, uma economia que obrigava as donas-de-casa a sai do lar para ajudar na renda familiar e a volta da liberdade de imprensa, a TV se tornou não só um meio de comunicação democrático, mas também a fonte de entretenimento mais barato e interessante para qualquer nível de classe social da época.
Considerações finais
Apesar do nível de sucesso de Jaspion ser tão gritante se compararmos Japão e Brasil, é facilmente identificável que o esse sucesso em terras tupiniquins não se deu única e exclusivamente pelo ineditismo da série no país.
Jaspion, seja como série ou como personagem, tem um carisma ímpar, pouco visto em quaisquer outras séries tokusatsu ou desenhos animados. De personalidade inocente e clara, mas com um pano de fundo cheio de referências, enredo e drama, a série conquista os olhos das crianças e o coração dos adultos.
Após assistir Jaspion é incrível perceber como a palavra herói é simples e descomplicada. A mensagem de heroísmo passada por Jaspion em cada episódio é algo próximo ao que um filho sente por um pai: um cara invencível, que tudo pode e a tudo vence. Não por ser seu pai, não por ter músculos, superforça ou superpoderes, mas por ser a figura perfeita do bondoso e altruísta herói que a tudo e a todos enfrenta com a força do coração.
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