Entrevista com Rodrigo Piza, ex-gerente geral da Locomotion

 Divulgação.

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A Locomotion foi, sem dúvida, um dos canais que mais deixaram saudade no público. Voltado para o público jovem e adulto, a programação era composta por animações de todas as partes do mundo, além de animes, tornando o canal pioneiro em produções do gênero. Na época só tinham acesso aqueles que eram assinantes da DirecTV (atual SKY).

Até hoje ele continua sendo elogiado pelo que representou e por conta de sua abordagem ousada, algo que não se encontra mais na TV fechada. Em 2015 se completa uma década que a Locomotion foi comprada pela Sony Pictures, e posteriormente, transformada no Animax, que infelizmente não soube ser bem trabalhado pela filial latino-americana do conglomerado japonês.

Para relembrar os velhos tempos, o ANMTV conversou com alguém que ficou no canal até que ele fechasse as portas: Rodrigo Piza, ex-gerente geral e diretor criativo da Locomotion. Ele nos contou diversas curiosidades sobre os bastidores do canal que fez a alegria de milhares de telespectadores no Brasil e América Latina. Confira todos os detalhes:

 

ANMTV: Como nasceu a Locomotion?

Rodrigo: A Locomotion nasceu de uma iniciativa entre o Cisneros Television Group e The Hearst Corporation no ano de 1996 em Miami Beach, Estados Unidos. O canal tinha como foco o público masculino e era exclusivo da DirecTV.

 

ANMTV: O que motivou a venda da Locomotion para a Sony?

Rodrigo: O motivo foi que era um bom negócio para seus atuais donos naquele momento (Corus Entertainment e The Hearst Corporation), que não eram produtores diretos de conteúdo do canal. Outra razão foi que o mercado de TV por assinatura estava se tornando cada vez mais consolidado, o que tornou um produto independente como a Locomotion, algo difícil de se distribuir nas operadoras.

 

ANMTV: Qual foi sua reação (e a do restante de sua equipe) diante de tal decisão?

Rodrigo: Não ficamos tão decepcionados porque o fruto do nosso trabalho foi muito bem valorizado, conseguimos fazer com que a Locomotion tivesse um reconhecimento importante, além de termos criado um produto de alta qualidade e com boa audiência. Mas assim que saímos do canal e ficamos do lado de fora das portas, bateu uma tristeza de não poder seguir com aquilo que fazíamos, o que nos dava muita satisfação.

 

ANMTV: O que sentiram quando Animax / Sony seguiu outro caminho?

Rodrigo: Na realidade não ficamos muito a par da situação, eu pessoalmente já tinha me envolvido com outros projetos morando no Canadá, e não quis saber de nada, e somente a pouco tempo resolvi me informar de tudo que aconteceu. Nenhuma das pessoas da equipe que ainda mantenho contato quis saber o que seria feito do canal quando saímos, talvez por não querer mexer no passado.

 

ANMTV: Quais eram as expectativas do canal antes de ser vendido (estreias de séries ou animes) ?

Rodrigo: Eram inúmeras, já que trabalhávamos normalmente caso a venda não fosse concretizada. Planejávamos uma turnê internacional do Miranda (banda argentina cujos vídeos musicais eram veiculados nos intervalos do Animax), tínhamos vendido nove eventos da Turnê Locomotion de música eletrônica para fazer festas pela América Latina, o brand do Animestation estava sendo bem aceito e tínhamos planos de expandir nossa loja de produtos online. Nós fazíamos a pré-compra de material com nove meses de antecedência, e já haviam sido adquiridos vários produtos que posteriormente foram parar no Animax como Black Jack, Blood+, Full Metal Alchemist, .Hack, Bleach, Di Gi Charat Nyo!, DNA, Excel Saga, Full Metal Panic, Galaxy Angel, Wolfs Rain, Initial D, Noir, Vandread e muitos outros.

 

ANMTV: Gostaria de trabalhar num projeto similar a Locomotion no futuro?

Rodrigo: Sem dúvida alguma!

 

ANMTV: Como eram feitas as aquisições de séries?

Rodrigo: Não havia muito mistério. Contávamos com um número de provedores do Japão e estúdios que nos ofereciam produtos, os víamos, classificava-os e analisávamos a repercussão dos mesmos no Japão. A partir dai, em função da nossa verba, que era limitada, fazíamos propostas. Nossas aquisições eram feitas com no mínimo nove meses de antecedência a data de estreia.

 

ANTMV: Se a Locomotion estivesse ativa, como seria montada sua grade de programação nos dias atuais?

Rodrigo: Acho que teria muito anime. Com certeza não teríamos mais animações da MTV, já que por ser um conteúdo deles, iriam querer que fosse exibido pelo seu canal. Também teríamos um espaço para música eletrônica e arte digital. Praticamente seguiria a mesma linha de ser um canal para jovens e adultos voltado a animação, música e cultura digital.

 

ANMTV: Porque os animes deixaram de ser dublados e passaram a ser transmitidos com legendas?

Rodrigo: Por que encontramos séries que não precisavam de dublagem. Falando claramente, o público queria o idioma original. Também escolhemos animes que tinham uma história mais pesada para que os mais novos que viam o canal não pudessem assistir tão facilmente por conta das legendas.

 

ANMTV: Era complicado fechar acordos com as distribuidoras?

Rodrigo: Até que não. A única exceção era a MTV, mas algo normal na área. Este tipo de coisa requer experiência e boas relações, algo que muitos possuíamos antes mesmo de entrar para a Locomotion.

 

ANMTV: É verdade que no Brasil foram exibidos animes dublados em espanhol e com legendas em português?

Rodrigo: Sim, acredito que sim, mas não lembro exatamente quais.

 

ANMTV: Qual era a audiência da Locomotion? Com quais canais brigavam no horário nobre?

Rodrigo: Antes do fim da Locomotion aparecíamos no Top 15 dos canais de maior audiência da América Latina no horário nobre, ficando na frente do Much Music, AXN e MTV, em medições feitas na Argentina. Estes eram os canais rivais em termos de ibope que me lembro.

 

ANMTV: Depois que deixou a Locomotion, o que você fez? Em que trabalha atualmente? Continua tendo contato com os demais membros da equipe?

Rodrigo: Já faz dez anos que isso aconteceu e nesse tempo fiz muitas coisas com um amigo (José Wolf) que também foi da Locomotion, trabalhei na produção de um filme no México e desenvolvi alguns projetos para a TV. Me afastei da produção de programas e canais. Trabalhei na HIT Entertainment, onde fui responsável de tudo relacionado ao dinossauro Barney na América Latina, e também Cookie Jar Entertainment, produtora canadense de animação, cuidando do catálogo de séries a nível internacional, além de ter sido responsável durante vários anos pela marca Moranguinho (Strawberry Shortcake) na América Latina.

Desde que a Locomotion acabou mantenho contato com todos da equipe. Cada um de nós continuou colaborando em alguma coisa e em projetos pessoais, somos como uma família. A Locomotion mudou nossas vidas. Além da experiência como profissional, nos deu um grande reconhecimento, já que nosso trabalho é elogiado como excepcional e vanguardista, algo que nos abriu muitas portas.

 

ANMTV: Qual mensagem você deixa para nossos leitores?

Rodrigo: Agora em fevereiro abrimos uma página no Facebook chamada Team Locomotion Oficial, onde ficamos em contato com todos os fãs do canal, lá as pessoas podem nos encontrar. E graças ao burburinho gerado pelas redes sociais, não deixamos de lado a ideia de reunir a equipe para voltar a lançar algum projeto que dê continuidade ao espírito da Locomotion.