Análise: Gatchaman Crowds – Abra suas asas ainda invisíveis!

Divulgação. © Tatsunoko Production

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Lançado em 2013, Gatchaman Crowds é um anime de 12 episódios produzido pelo estúdio Tatsunoko, seguindo a história do grupo de heróis Gatchaman, que protege à Terra de ameaças. Em 2015 ganhou sua segunda temporada, Gatchaman Crowds Insight. E se a história parece simples a princípio. Acreditem: apenas parece.

A sexta Gatchaman

A história começa quando Ichinose Hajime, estudante do ensino médio, é abordada no telhado do colégio por um homem extremamente alto, chamado J.J. Nesse encontro, J.J. extrai de Hajime um NOTE, sua alma materializada no formato de uma agenda. E, antes de sumir, ele declara que agora Hajime é uma “Gatchaman”. Como ela descobrirá depois, “Gatchaman” é um grupo composto por humanos e alienígenas, recrutados com o propósito de proteger à Terra de ameaças.

Quando Hajime entra para o grupo, os Gatchaman estão ocupados tendo de lidar com uma entidade conhecida como MESS, que absorve tudo o que passa em seu caminho. E se até aqui a trama parece bastante “típica” para uma história de super-heróis, Hajime é o elemento que começa a destoar. Isso porque ela não pretende lutar. Não que se recuse a ir ao combate, ela está certamente disposta a usar a força se necessário; porém, antes de partir para a violência, ela prefere tentar abordagens mais pacíficas.

Quase sempre, a protagonista tenta conversar com os oponentes, para entender suas motivações. Curioso também é que ela nunca parece tentar fazer os inimigos mudarem de ideia, exatamente. São poucas as vezes em que ela argumenta: normalmente apenas questiona. E isso é uma constante em ambas as temporadas. Ela nunca tenta convencer o oponente que ele está errado, mas antes apenas procura fazê-lo refletir sobre suas ações.

A empatia é o primeiro tema que esse anime trata abertamente, e isso de diversas maneiras; como em pensar no outro. Pelo lado do outro. Ouvir e entender antes de julgar. Tem uma ótima cena bem no começo do anime onde Hajime e Sugane (outro Gatchaman) estão andando na rua e um carro passa por eles em alta velocidade, quase os atropelando. Sugane fica irritado, dizendo que o motorista estava sendo descuidado, mas Hajime coloca que talvez a esposa estivesse em trabalho de parto, ou coisa do tipo, e ele precisava chegar logo ao hospital. Sugane contra-argumenta que ela não tinha como saber se isso era verdade, ao que ela responde algo como “realmente, mas pensar assim não te deixa um pouquinho menos irritado?”.

Mas a história de Hajime e dos Gatchamans é apenas metade da trama. Falemos um pouco, agora, dos Crowds.

O Update do mundo

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Em Gatchaman Crowds, uma nova rede social vem despontando: GALAX. Uma mescla de rede social com jogo virtual, onde cada um tem o seu próprio avatar customizado, o grande apelo de GALAX está na capacidade de buscar por ajuda: se você tem um problema, você pode pedir auxílio ao sistema e este irá procurar alguém nas redondezas que seja capacitado e disposto a lhe ajudar. Graças a isso, a invenção vem se tornando uma excelente ferramenta em momentos de emergência, bem como no dia a dia.

A rede é criação de Ninomia Rui, cujo objetivo é criar um mundo que não precise de heróis. Um mundo de pessoas altruístas, que se ajudem por puro prazer. GALAX ainda não permite isso: a rede social conta com um sistema de pontuação e ranking, e quanto mais um indivíduo se mostra prestativo em ajudar os outros mais ele sobe frente aos outros; não é um sistema completamente altruísta. Mas é um passo nessa direção.

Entretanto, é fato que nem sempre uma situação poderá ser resolvida apenas com as capacidades humanas. Para estas situações extremas, onde nada mais pode ajudar, Rui criou os Crowds, avatares idênticos que representam a alma de quem os usar, e que dão ao seu possuidor capacidades sobre-humanas. E uma vez criados, eles foram entregues aos 100 indivíduos no topo do ranking do GALAX.

Finalmente, todos esses diferentes atores, Hajime e os Gatchaman, Rui e os Crowds, entram em conflito quando o alienígena Berg Katze começa a agir, buscando trazer a destruição à Terra.

Uma obra temática

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Gatchaman é, para todos os efeitos, o que eu chamaria de uma “obra temática”. É um anime no qual tudo o que existe ali, dos personagens às situações enfrentadas, possuí um único propósito de realçar e desenvolver seus temas. E Gatchaman trata de muitos temas.

Na primeira temporada, a maioria deles se resolve em torno do que significa ser um herói (e nisso entra temáticas como a de como ser guiado por um senso de dever, a questão de mudança da sociedade e se esta deve ser gradual ou se deveria ser feita uma revolução violenta, etc.) e da importância, mas também perigo, da internet (e aqui já entram temas como o anonimato na rede, o cyber-bullying, questões de conectividade, que conecta os distantes, mas muitas vezes negligencia quem está próximo, etc.). E quando entramos na segunda temporada, surge todo um novo rol de temas, um pouco mais políticos (como a influência da mídia em uma eleição, ou o chamado “efeito manada”).

Se alguém julgar a história apenas pela sinopse e pôster promocional certamente vai se surpreender assistindo. Ela se inicia exatamente como se espera de uma obra sobre super-heróis. E conta com toda uma palheta de cores vibrantes e um traço de personagens que se distancia tanto do moe quanto dos traços mais realistas atuais, tudo isso dando ao anime um certo ar de “infantil”. Mas conforme a história vai avançando e as lutas são substituídas por diálogos em conceitos bastante complexos, somos forçados a entender que de infantil não há nada.

Diálogo com o passado

Para todos os efeitos, Gatchaman Crowds é a mais nova entrada na franquia “Gatchaman”, que começou em 1972 com o anime Kagaku Ninjatai Gatchaman, do mesmo estúdio. O original foi bastante popular, ganhando diversas continuações ao longo das décadas de 1970 e 1980, mas é curioso notarmos que Gatchaman Crowds não se encaixa como uma continuação. Em fato, não se enquadra de forma nenhuma na franquia. Não é um remake, spin-off, e uma primeira olhada a única coisa que parece ligar este anime ao restante da franquia é ter “Gatchaman” no título. Só.

Quem assiste pode se sentir tentado a classifica-lo como uma “desconstrução” das histórias de heróis, dentre as quais se encaixa a franquia Gatchaman. E, de fato, o anime subverte diversos clichês do gênero. Mas eu não iria tão longe, porque, apesar disso, nunca critica ou abandona a própria ideia de “herói”, como seria de se esperar de uma desconstrução. Nem, aliás, torna o conceito excessivamente pesado ou realista. Mas ele faz algo que, verdade seja dita, a vasta maioria das histórias sobre heróis e vilões não fazem: reconhecer que o herói não pode agir sozinho.

Em ambas as temporadas, a verdadeira solução dos problemas virá de uma nova mudança na sociedade. De fornecer às pessoas as ferramentas necessárias para que possam, elas próprias, sair de uma situação que, em última instância, elas próprias criaram, ainda que influenciadas por outras. Só que quem fornece essas ferramentas, em última instância, é o “herói” (ou “heróis”, no caso). Por isso eu vejo esse anime muito mais como um diálogo com as obras do gênero. Ele dá um novo papel e função à figura do herói, sem renega-la.

Considerações finais

Gatchaman Crowds não é perfeito. Os personagens podiam ter sido melhor desenvolvidos, especialmente os secundários. Além disso, o universo do anime foi muito mal explicado (aliás, eu retiro isso: ele não foi explicado, ponto), e em alguns momentos a direção não soube conduzir bem a transição entre cenas. Mas os pontos positivos certamente superam os negativos. A animação, ainda que não seja uma maravilha, é ao menos competente, e rende boas cenas de luta. A trilha sonora é simplesmente fenomenal, e incrivelmente memorável. E apesar que pouco desenvolvidos, todos os personagens são carismáticos, especialmente a protagonista.

Todas as questões e críticas levantadas, da internet à política, da mídia à violência, são bastante atuais. A segunda temporada principalmente. Trata-se de um anime muito bem pensado, e que certamente irá inspirar diversas reflexões em quem o assistir.

Não seria exagero meu dizer que este é um das melhores animações japonesas que assisti recentemente, ou pelo menos um dos que mais tentou ser “algo a mais”. Vale a pena conhecer.