Especial Halloween: a importância do terror em nossas vidas

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Sejamos sinceros, todo mundo tem medo de algo. Seja de alguma coisa física, por exemplo algum animal, ou algo mais intangível, como o medo de altura. Eu por exemplo não gosto nem um pouco de aranhas. E bem, o “medo”, a sensação de terror é uma das emoções mais primárias no nosso subconsciente, afinal, ela é um dos mecanismos de defesa do nosso corpo, mantendo o nosso cérebro alerta contra um perigo iminente. Mas eu vou te contar um segredo, nós gostamos de sentir “medo”, de ter esse contato com o gênero de terror, e sejamos francos, o gênero é tão amplo e tem tantas camadas que mesmo você sendo do tipo que não curte levar uns sustos, ele ainda tem algo a te oferecer. Então, pronto para uma viagem muito louca?

Tá, me deixei exemplificar melhor o “nós gostamos de sentir medo”; em uma situação de extrema emoção, como medo e terror, o nosso cérebro libera um neurotransmissor conhecido como Dopamina, despertando sensações de recompensa e prazer no nosso subconsciente. Mas isso varia de pessoa para pessoa, pessoas que gostam de sentir emoções extremas vão buscar mais o gênero de terror, do que pessoas que não gostam de se arriscar tanto. Então alguém que faz paraquedismo, vai gostar bem mais do filme da “Bolha assassina” do que alguém que não gosta de levar susto? Em tese, sim, mas as coisas não são tão simples assim, e não é apenas as nossas sensações biológicas que nos instigam a esse gênero.

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Segundo a “Teoria Geral do apelo do Horror”, escrita pelo filósofo Noël Carroll em seu livro “A filosofia do Horror”, o que realmente nos instiga ao gênero é a nossa curiosidade. Carroll diz em seu livro, que os monstros dos filmes de terror nos trazem duas sensações; a primeira sendo de repulsa, nós queremos ficar longe e abominamos aquela criatura; e a segunda sendo intriga, afinal, o nosso medo do desconhecido também desperta a curiosidade sobre aquilo que não temos controle. Vamos pegar essa teoria e colocá-la em prática. Toda criança tem medo do escuro em determinada parte da vida, certo? Não, elas têm medo do desconhecido, daquilo que PODE estar no escuro, essa repulsa inicial, logo se desenvolve para algo diferente, a criança tenta materializar esse medo com algum tipo de “monstro”, esse culpado imaginário torna-se algo que afasta ela, mas que ainda a deixa curiosa para entender mais sobre seu nêmesis. Mas para Carroll o que realmente prende a nossa atenção é a combinação desses monstros com uma estrutura narrativa. Sendo a principal sobre “descoberta do monstro”, contudo, essa está longe de ser a única maneira de se trabalhar o terror e a nossa própria história mostra isso.

O gênero de terror por si só sempre esteve presente em nossa história; seja na mitologia grega com seus cães de três cabeças e mulheres com cabelo de cobra, ou nos diversos contos sobre o fim do mundo em várias mitologias. Se a gente forçar um pouco, os contos de fadas escritos pelos irmãos Grimm, eram bem mais macabros que a sua versão Disney. Mas a maneira como conhecemos o terror hoje em dia, e por muitos tido como a origem do gênero, foi com o livro “O Castelo de Otranto” publicado em 1764, resumindo muito esse livro, ele narra a derrocada de um rei que tenta ao máximo impedir que uma profecia traga o fim de seu reinado; porém o que o que mais chama a atenção no livro é que ele foi o primeiro a trazer toda essa estética gótica e sombria que depois se tornaria essencial para literatura de terror, ele também foi um dos primeiros livros a trazer elementos de sobrenatural como a aparição de fantasmas e um tom mais macabro, com a queda de seu protagonista que a cada capitulo fica mais e mais louco. E da mesma maneira como a mitologia criava deuses e monstros para explicar fenômenos do cotidiano de sua época, a evolução do gênero de terror e seus monstros, evoluíram com a nossa sociedade.

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Nos anos seguintes vemos como o terror se molda para com a sociedade, no livro “Frankenstein” de 1818 (vamos falar dele mais tarde), a monstro é retratado como uma vítima da sociedade e do abandono de seu criador, trazendo um paralelo com os avanços científicos da época, em principal o “galvanismo”. Com “Drácula” lançado em 1897, tivemos uma história que se baseava em uma figura real, mas que a transformava em um cruel filho da noite. E toda a carreira de Edgar Allan Poe, se baseava no confronto do homem com seu maior vilão, si mesmo. Poe em especial era um mestre de escrita de melancolia, e mesmo suas obras mais sobrenaturais trabalhavam com a psicologia do seu personagem, e o quão emocionalmente debilitado ele estava perante a sociedade.

A febre dos filmes de monstro baseados em livros dos anos de 20 a 40, traziam um horror sobre o sobrenatural e uma criatura que você sabia que não era real, e que não poderia te machucar fora das telas do teatro. Porém, após a segunda guerra mundial, o mundo do cinema de terror foi invadido por monstros gigantes, que normalmente eram frutos de experimentos com radiação, mostrando o medo da humanidade perante a bomba atômica, tendo “Godzilla” de 1954 como seu maior representante. Durante os anos de 70 a 80, devido a guerra fria, o medo era trazido na forma da “ameaça invisível”, do “outro”, daquele que não pertencia aquele lugar, ou era um comuni- ALIEN infiltrado na nossa sociedade, trazendo toda a paranóia comunista a tona, “O Enigma de Outro Mundo” é o suprassumo disso.

Do final dos anos 80 até metade dos 90, o gênero “Slasher”, onde assassinos mascarados perseguiam suas vítimas e causavam uma carnificina, se tornaram muito populares e foram um reflexo da violência desse período. E nos anos 2000 devido a vários atentados terroristas o terror como era antes tinha que evoluir para se comparar ao horror do mundo real, fazendo a violência nesses filmes muito maior e mais explicita, até o revisionismo de obras anteriores, os famosos “remakes”, eram marcados por um ar muito mais sombrio e violento. E atualmente estamos vivendo um dos momentos mais interessantes do terror, tendo filmes e livros baseados em vários subgêneros, trazendo ainda mais camadas e discursos em seus filmes, levando a nos questionar, para que servem esses filmes e que mensagens eles podem trazer.

Falando desse jeito, até parece que eu sempre consumi esse tipo de mídia, mas a verdade é o contrário, na minha infância eu sempre fugi dessas obras, eu tinha mais medo de conhecer algo relacionado ao gênero do que ao gênero em si. Mas tudo mundo quando a minha avó me deu uma edição de Frankenstein, esse não só foi o primeiro livro de terror que li, mas também o primeiro livro que despertou o leitor que existia dentro de mim. A sensação de ficar curioso e eufórico a cada virada de página, imaginando o que ia acontecer no próximo parágrafo, me fez terminar o livro na mesma tarde que eu o recebi. A muito debate se Frankenstein é ou não é Terror, mas a maneira como o monstro e suas ações eram descritas no livro, me deixavam espantando, não apenas isso, ele fez uma criança de 10 anos de idade curiosa e imersa o suficiente em sua história, algo que até o momento nunca havia acontecido.

Isso não só despertou em mim um grande amor pelo gênero, mas também por sua estética, algo que eu só fui notar quando em minha adolescência, me deparei com o anime e mangá Soul Eater, que pega muito da essência de filmes e histórias clássicas de terror, e usa eles para construir um shounen super divertido e cheio de personagens cativantes, mostrando para mim que aqueles monstros poderiam ter milhões de interpretações diferentes, das mais sombrias as mais divertidas e engraçadas. E tudo isso, é o que fez eu me apaixonar pelo gênero, a emoção do descobrimento e do encanto que há no meio de algo que a primeira vista é assustador, e entender que os monstros da ficção podem ser domados, pode nos ajudar a tomar os “monstros” do nosso dia a dia.

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não remete necessariamente a posição do ANMTV*