ANMTV Entrevista: Gustavo Ribeiro, diretor do curta Napo

Miralumo Films / Divulgação

O ANMTV teve a oportunidade de entrevistar Gustavo Ribeiro, diretor do curta-metragem Napo. Nessa animação, um senhor de idade chamado Napo vai morar com sua filha e neto depois que o alzheimer se intensifica. A partir daí, acompanhamos João, o neto de Napo, tentando compreender e lidar com a condição do avô. Confira a entrevista:


ANMTV: Sempre que uma produção brasileira tem algum reconhecimento internacional, isso gera um certo burburinho e cria nas pessoas um senso de pertencimento e de orgulho por aquela obra, mas é uma coisa que acontece com pouca frequência, infelizmente. Vimos isso acontecer com “Bacurau”, com a animação “O Menino e o Mundo” e agora com Napo. Quais os obstáculos que vocês enfrentaram para produzir Napo e por que ainda temos tão pouco conteúdo com repercussão internacional?

Gustavo Ribeiro: Primeiramente, gostaria de agradecer a oportunidade de conversar sobre o filme. A gente passou por tantos obstáculos que se eu fosse enumerar todos, dava pra escrever um livro. Mas para agora vou falar do obstáculo inicial. Esse projeto nasceu em 2014. Eu estava no terceiro ano da faculdade de Artes Visuais da UFPR. Na época, minha parceira e produtora, a Thais Peixe, viu que tinha surgido um edital do Estado do Paraná, o Profice. Ele poderia ser nossa chance de fazer nosso primeiro filme. A partir daí, nos juntamos em 4 pessoas para desenvolver essa história: eu, a Thais, a Gabriela Antonia Rosa e o Daniel Freire.

Desenvolvemos o roteiro e o que precisava para o projeto e mandamos tudo para o edital. Jamais achamos que ganharíamos, mas, para nossa surpresa, nós fomos selecionados. E aí começou o nosso primeiro desafio: desse grupo de 4 amigos, só eu e a Thais mexíamos com 3D. Na hora, já percebemos que era impossível fazer uma animação com 2 pessoas. Foi nesse momento que tivemos uma ideia: “Por que a gente não abre uma escola? Assim a gente pode treinar as pessoas para depois poder contratá-las”. Nasceu a Revolution, uma escola que 6 anos depois treinou mais de 6000 alunos do Brasil todo.

Quanto à repercussão internacional, isso não acontece só com o Brasil, mas com dezenas de outros países. Acho que o principal motivo é a falta de incentivo governamental: produzir um filme de animação é muito caro e não teríamos conseguido fazer isso sem subsídio do governo e sem o apoio de dezenas de artistas e empresas. Você pega o caso da Coréia do Sul, por exemplo, onde foram criadas inúmeras políticas de incentivo à cultura há quinze anos e vê que agora eles são um dos maiores exportadores de cinema e música para o mundo. E olha que é um país pequeno em comparação com o Brasil… É difícil, mas a gente continua tentando, né?

Miralumo Films / Divulgação

ANMTV: As histórias sobre alzheimer estão sempre em voga na produção audiovisual. Mais recentemente, em 2019, tivemos “Meu Pai” que deu o Oscar de melhor ator ao Anthony Hopkins. Em 2014, tivemos “Para Sempre Alice” que rendeu o Oscar de melhor atriz para Julianne Moore. Então esse me parece ser um tema extremamente dramático e que gera boas histórias (que também é o caso de Napo, devo acrescentar). Por isso, gostaria de saber: o que tornou essa temática tão interessante a ponto de despertar seu interesse em produzir o curta? Tem a ver com Daniel Manoel da Costa, que recebe uma dedicação ao fim da animação?

Gustavo Ribeiro: Essa vontade de falar sobre o Alzheimer nasceu do meu amigo Daniel Freire. Ele tinha acabado de descobrir que a avó dele tinha Alzheimer e queria falar sobre isso. A animação é dedicada ao meu avô e a todos os avôs e avós do mundo. Existem vários momentos no roteiro que são baseados não só na minha infância, como na infância de todos nós. Se você é da década de 90, provavelmente, só existia uma TV na casa toda e, quando seus avôs ou avós chegavam, você perdia essa posse da TV. A ideia foi tentar trabalhar lembranças universais. De início eu não achava que era uma história autobiográfica, mas após meu avô falecer eu fui vendo o quanto da nossa relação foi inconscientemente indo para o filme.

ANMTV: A história do curta é bastante emotiva e é difícil não traçar paralelos com “UP: Altas Aventuras”, da Pixar – seja pelo visual do Napo ou por terem uma temática similar (pelo menos na sequência inicial). Essa foi uma referência para “Napo”? E que outras referências foram utilizadas na construção do curta?

Gustavo Ribeiro:UP: Altas Aventuras” foi uma grande inspiração sim, mas outras inspirações importantes foram “As Bicicletas de Belleville” e o brasileiro “O Menino e o Mundo”, do Alê Abreu.

Miralumo Films / Divulgação

ANMTV: Os curtas-metragem costumam ter essa característica de trazerem histórias impactantes e, frequentemente, com finais abertos ou que deixam reflexões. Qual é a mensagem ou a lição mais importante que você espera que o público tire de Napo?

Gustavo Ribeiro: A importância de se estar ao lado das pessoas e o papel transformador da nossa presença. João mostra para o espectador que as pessoas não são definidas só pelo passado e por quem elas foram, mas também pelo que elas são hoje. As memórias não precisam ser um monolito gravado no tempo: elas podem ser sensações,cheiros, arte, abraços, carinho.

ANMTV: Para finalizar, me tire uma curiosidade: nos filmes de herói e até mesmo nas animações da Pixar, é muito comum que os artistas que trabalham nesses filmes insiram easter eggs que só são reconhecidos por eles mesmos ou por fãs mais atentos. Há algum easter egg escondido em Napo?

Gustavo Ribeiro: Tem vários! No videocassete, o horário está sempre 16:04, que é uma alusão à Sala 1604, o lugar onde a Revolution e a Miralumo nasceram. Nos cartazes presos no quarto do João, tem referências a vários animes também. Na mesa do menino, alguns personagens do nosso próximo projeto. Existem muitas coisas escondidas nas fotografias que o Rayner Alencar, nosso Diretor de Arte, fez.

Nós do ANMTV, agradecemos pela atenção e participação do diretor Gustavo Ribeiro. É importante lembrar que Napo já está disponível no Youtube, através do canal oficial da Miralumo Films. Confira também nossa análise do curta animado.