Anohana e o luto na pré-adolescência

Shueisha / A-1 Pictures / Divulgação

Seja em uma reunião de amigos, uma visita a um lugar novo ou um encontro com um/uma pretendente, o momento de dar adeus e seguir com resto da vida geralmente costuma ser um pouco triste. Mas e quando a própria vida trata de fazer com que esse tipo de experiência surja em uma configuração diferente – e pior ainda, com um impacto mil vezes mais potente e em um momento completamente inesperado? Viver a perda de alguém próximo a você pode ser uma experiência aterradora e que, em um primeiro momento, não serão todos que irão conseguir lidar com isso da melhor maneira possível.

Alguns em poucos dias começam a enxergar a vida de novo, outros só irão encontrar a luz no fim do túnel em alguns meses ou anos, e há aqueles que poderão ficar presos no tempo. Em “Anohana: The Flower We Saw That Day (Ano Hi Mita Hana no Namae o Bokutachi wa Mada Shiranai) de 2011, vemos essas e outras questões, serem levantadas diante de nós para que pensemos: como alguém pode reagir durante um processo de luto? ou mais ainda: Como uma criança pode lidar com um processo desses a longo prazo? Mas para começar essa discussão, nada mais lógico do que iniciar essa conversa apresentando o objeto de análise e explicando sobre o que, cargas d’agua, fala “Anohana: The Flower We Saw That Day”.

No anime da A1- Pictures e que no Brasil está disponível pela Crunchyroll e Netflix, somos apresentados a um grupo de amigos de infância (Jintan, Menma, Anaru, Atsumu, Chiriko e Poppo) aonde após a acidental morte de Menma, acabam por distanciarem-se ao longo dos anos. Porém, esse cenário começa a mudar quando, em um dia quente de verão, o espirito de menma surge para jintan, que após perceber não se tratar de uma alucinação do calor da época, entende que os Super soldados da paz (nome do grupo que eles formavam) precisariam se reunir mais uma vez e revisitar essa memória, que pra todos ainda é dolorida, e ajudar a amiga a desencarnar.

Mas até o ressurgimento de menma acontecer, vemos que o impacto da morte da amiga, atinge as crianças de forma tão significante, que os resultados desse choque aparecem na puberdade das formas mais diversas. E que mesmo para nós, do mundo real, esse contexto é completamente comprovado pela ciência e suscetível de acontecer.

Em seu artigo intitulado “Experiências de Perda e de Luto em Escolares de 13 a 18 Anos” os autores Basílio Domingos (Aluno de mestrado da Universidade de São Paulo) e Maria Regina Maluf (Doutora em Psicologia) nos mostram, que se para crianças a perda de uma pessoa de extrema importância pode ser expressada por meios lúdicos como desenhos e jogos, para adolescentes, que ainda estão em sua formação identitária, esse tipo de experiência pode trazer reações que evocam desde ansiedade e pânico até uma visão solitária de si:

É capaz, o adolescente, de manifestar o luto? Bowlby (1982, 1993) … afirma que o adolescente, assim como a criança, manifesta o luto como resposta à quebra de um vínculo afetivo. Para este autor, o vínculo tem um valor de sobrevivência, de sorte que a perda da figura de vínculo é percebida como desamparo, podendo desencadear uma forte ansiedade de separação e inclusive o pânico (…)

E ainda:

(…) Entretanto, Kastenbaum e Ainsenberg (1983) alertam para o fato de que a aquisição da individualidade pode, nas primeiras fases da adolescência, evocar a percepção de si mesmo como um ser solitário, fazendo com que o jovem sinta-se mais vulnerável à morte, tanto própria quanto de alguém significativo. (…)

Um exemplo dessa reação no anime, é visto no comportamento de Jintan, que após a morte da mãe e, pouco tempo depois, de menma, não apenas se afastou dos amigos de infância, como também, se privou de qualquer convívio social, como vizinhos e a escola, aonde parou de frequentá-la.

Anaru também pode ser tomada como um exemplo a se observar durante o processo de luto na puberdade, uma vez que, sua construção identitária em alguns momentos do anime, fica comprometida visto que durante sua infância a dualidade de admiração e ciúmes por menma eram presentes, e agora na adolescência, a ideia de remeter sua imagem aos mesmos gostos que a antiga amiga tinha, a fazem buscar por diversos mecanismo de aprovação. Sejam novas amizades, um novo cabelo ou encontros casuais com homens mais velhos.

Em resumo, podemos notar que o peso de uma perda não é igual para todos e falar sobre luto abre margem pra muitos aspectos a serem observados, principalmente se compararmos com animes que tratam isso diretamente. Então, para não deixar o texto mais longo do que já está, fica a dica tanto do artigo – que está repleto de autores referência sobre o assunto a se estudar– quanto o anime, que apesar de alguns erros de coerência em sua narrativa, e respostas convenientes ou vagas demais para alguns questionamentos abertos na história, possui um certo potencial pra te emocionar com suas cenas mais dramáticas. anime esse que, inclusive, lançou um filme em 2013, contando os acontecimentos após o último episódio da série.