ANMTV Entrevista: Sérgio Moreno e Arthur Salerno, dubladores de O Menino e a Garça

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Na última quinta-feira (22) estreou nos cinemas brasileiros O Menino e a Garça, novo projeto animado do renomado Studio Ghibli e do incrível diretor Hayao Miyazaki, com distribuição da Sato Company. Este, inclusive, está sendo considerado como o último trabalho do cineasta.

Com isso, tivemos a honra de entrevistar os dubladores responsáveis pelas vozes dos protagonistas Mahito e a enigmática Garça: Arthur Salerno e Sérgio Moreno, respectivamente. Lembrando que o trabalho foi realizado pelo estúdio Midia P, com direção de Rafael Pinheiro. Confira:

Diego (ANMTV): Logo de cara, eu gostaria de saber: houve alguma pressão em dublar um filme do Studio Ghibli?

Arthur Salerno: Sim. Não uma pressão de ficar nervoso, mas uma pressão de responsabilidade por estar lidando com um produto que já vem sido consumido há muito tempo e de um diretor conhecido que já fez vários filmes de sucesso. Também por já ter sido lançado lá fora, por já ter sido indicado ao Oscar, por muita gente já estar esperando o lançamento nos cinemas aqui no Brasil. Então não seria uma pressão, mas uma responsabilidade. Talvez seja mais ou menos isso.

Sérgio Moreno: Essa pressão que o Arthur está falando, Diego, é uma pressão natural que a gente vive na dublagem, pois como estávamos falando anteriormente, não temos muito tempo de preparo antes de entrar no estúdio, a gente recebe o material e recebe um briefing do diretor.

Então a gente tem essa pressão de responsabilidade de tentar fazer o melhor que a gente pode fazer para acompanhar a obra que lá fora já está pronta, então tentamos fazer o máximo fiel possível do que o Miyazaki queria e tentar respeitar todos os seus traços, surrealismo e história.

A pressão sempre tem e é um dos fatores comuns que a gente tem na dublagem. Não que façamos disso um processo menor, muito pelo contrário, mas é o que faz a gente se esmerar mais para que o trabalho fique melhor e mais próximo possível do que a obra apresenta para a gente.

Diego (ANMTV): Arthur, o seu personagem – Mahito – é bem complexo. No filme, ele passa por dramas familiares muito grandes como a perda da mãe e o pai se casando com outra pessoa. Queria saber de você, se houve alguma preparação para poder dublar este personagem.

Arthur Salerno: Bem, como o Sérgio falou, você não acaba tendo todo o tempo do mundo porque na dublagem você tem um tempo bem curto e um prazo não tão grande. O briefing do diretor é o que te ajuda, mas você tem que estar pronto para poder fazer o possível e o que está pedindo, então essa é a parte mais difícil.

Eu vi que se tratava de uma criança bem jovem que tinha todo esse trauma de ter perdido a mãe na 2ª Guerra, mas era alguém que era muito sério, muito seco, muito maduro e muito duro também. Ele quase não parecia uma criança, parecia que sua idade mental era de bem mais velho.

Quando a gente vai gravar a gente sempre escuta o áudio original, então no japonês já era um dublador bem mais velho e com voz um pouco mais pesada. É uma criança que não pode deixar nem infantil demais e nem maduro demais, então a gente tem que deixar ele naquele meio termo: ele é sério, é maduro, é direto, mas ele é uma criança, então ele fica nessa “corda bamba”, então acaba que se faz um trabalho redobrado.

Diego (ANMTV): E você, Sérgio? Você já dublou vários animes como Dragon Ball Z e Os Cavaleiros do Zodíaco. Você notou alguma diferença desses animes de ação com o drama do Studio Ghibli?

Sérgio Moreno: Total, Diego. A história e linha de enredo do Miyazaki em O Menino e A Garça é uma história muito complexa. Isso foi passado para a Garça, porque ele vem no início quase como um “pavão misterioso”, então essas variações de humor vão muito com o enredo.

Dragon Ball Z e essas séries mais longas, onde tem questões de lutas e tal, claro que tem seu enredo e objetivo, mas em O Menino e A Garça tem toda uma história: o menino perdeu a mãe durante a guerra, tem todo esse jeito introspectivo, acabou amadurecendo mais rápido diante de todo sofrimento que ele teve, e naquela época no Japão, em 1945, sofrendo toda aquela pressão, é bem diferente, é bem desafiante.

O enredo que o Miyazaki imprimiu no filme é que foi levando a gente, como o Arthur falou, a gente não tem muito tempo. A gente vive o extremo do filme enquanto dublado, pois temos que sentir todas aquelas emoções. Esse filme é daqueles que a gente tem que assistir duas ou três vezes para você entender, até para você assimilar a questão de imagem, traços e detalhes do desenho para entender tudo que está acontecendo, que é a característica do Miyazaki. Então o volume de interpretações e de enredos para onde o filme te leva é exatamente o que ele propõe. De repente você atravessa um portal e está em outro mundo.

Então o filme é uma caixinha de surpresas o tempo todo. Estamos lá dublando e vamos nessa “onda”, se não a gente se acaba perdendo também.

Diego (ANMTV): Aparentemente, este é o filme mais dramático do Studio Ghibli. Vocês já eram familiarizados com as produções do estúdio?

Sérgio Moreno: Não. Eu acho que o Miyazaki e o Studio Ghibli têm um nicho muito especial. Porque é muito diferenciado. Então quem tem aproximação acaba se aprofundando nisso. Eu nunca tive um contato como estou tendo agora com O Menino e A Garça.

Arthur Salerno: Eu conheci algumas obras como A Viagem de Chihiro, Ponyo e O Castelo Animado, não de acompanhar, mas tinha uma noção ou outra. Essa é a primeira vez que eu tenho um contato mais direto com o filme do Miyazaki. Então essa é a primeira vez que tenho um contato mais firme com o Studio Ghibli.

Diego (ANMTV): Mas vocês acham que se tornaram fãs do estúdio depois de passarem por essa experiência?

Arthur Salerno: Com certeza. Acho que essa vai ser uma experiência que vai ficar para sempre guardada. Eu acho que fazer parte de uma obra como essa é muito gratificante. É muito bom você está fazendo parte de algum filme, série ou animação com essa dimensão sabendo que você está dando o seu melhor. É um filme muito lindo e ótimo.

Assistindo na pré-estreia, reunido com todos os dubladores, eu demorei para perceber suas complexidades. É uma realização, com certeza, e vai ficar marcado. Acho que é um filme que tem tudo para ser lembrado com todo carinho, com certeza.

Sérgio Moreno: Pois é, para gente virar fã precisamos assistir pelo menos os outros filmes do Miyazaki e Studio Ghibli. Certamente, o filme é apaixonante, é uma história triste que faz você pensar, mas ao mesmo tempo te abre para mundos totalmente inesperados.

Então como o Arthur disse, com certeza vai ficar marcado. A gente tem que assistir ao filme mais de uma vez porque tem muitos detalhes que a gente não consegue pegar de primeira. A gente dublou separado, então cada um fez a sua parte, então tinha muita coisa que o Arthur viu do filme que eu não vi. A gente só viu juntos depois que teve a pré-estreia, então a gente vai ter que assistir mais uma ou duas vezes.

Espero que o Miyazaki não pare por aí para a gente continuar tirando a “carteirinha” de ser fã dele também.

Diego (ANMTV): Vocês tem alguma mensagem para os fãs do Studio Ghibli?

Sérgio Moreno: Eles são uns privilegiados por terem o Miyazaki como fundador e orientador do estúdio em todas as produções que eles fazem e que continuem assim, pois, certamente, como eu disse é um nicho especial. Quem conhece ou tem a oportunidade de conhecer entende que tem um pouco a mais do que algumas outras produções japonesas.

Arthur Salerno: É, eu também concordo com o que o Sérgio disse. É um grupo muito diversificado que é fã e acompanha o Miyazaki que faz filmes há muitos anos. É muito legal você entrar nessa dimensão e cultura dos filmes do Miyazaki. Lembro que tinha gente que até conectava os filmes.

É uma saga de filmes que são muitos bonitos, falam de mensagem relevantes e fazem refletir sobre várias coisas. Se trata de uma coisa bem especial, mesmo.

Diego (ANMTV): Obrigado pela entrevista e sucesso com o filme!

Sérgio Moreno: Obrigado, Diego, abraço!

Arthur Salerno: Abraço!

O Menino e a Garça está em cartaz nos cinemas com cópias dubladas e legendadas.