Análise: Terra dos Sonhos e a arte das referências

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Com a bênção do deus do sonho, Nemo, a filha de um faroleiro marítimo embarca em uma intensa aventura enquanto dorme. Esta é a premissa de Terra dos Sonhos, o novo filme da Netflix que crianças de qualquer idade assistirão imersivas e atentas ao que ocorre em suas 1h 57m de duração, na enérgica interpretação de Jason Mamoa (Aquaman) como Flip, que parece ter vindo direto de Nárnia, em um misto de Fauno, Willy Wonka e Chapeleiro Maluco, como se literalmente tivesse mergulhado no guardarroupas e vestido qualquer peça que encontrasse pela frente.

A história se passa com a nossa protagonista em dois momentos: acordada e dormindo. Nesse último ela dá  vida novamente ao seu porco de pelúcia, depois a própria cama onde dorme e, daí por diante, levando tudo o que é inanimado a ganhar vida durante sua permanência na terra dos sonhos. É uma adaptação das histórias em quadrinhos de Winsor McCay cujo nome também é semelhante ao do capitão Nemo dos livros de Julio Verne, além de ter virado jogo para o saudoso nintendinho.

Nemo, tal qual o peixinho palhaço da Pixar, é a única companhia de seu solitário pai Peter, com quem vive muito feliz e em home office, numa casa que é ao mesmo tempo lar, escola e local de trabalho. Um ambiente acolhedor que propicia tantos momentos em família, como o que gera um questionamento sobre a necessidade de se estudar matemática, partindo de quem se prepara para herdar a função de faroleira, surge uma reflexão sobre o que realmente vem a ser o exercício dessa atividade tão importante para a navegação marítima. Nemo, com apenas 11 anos e já acreditando que o porco de pelúcia chamado Porco já não é mais seu estimado bichinho de pelúcia da hora de dormir, se vê entusiasticamente amedrontada e no melhor momento da história de ninar contada pelo seu pai, instantes antes de atender o que viria a ser seu último chamado via rádio, solicitando seus serviços, antes de morrer em meio à uma tempestade.

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Dirigido por Francis Lawrence (Jogos Vorazes), feliz por conseguir entregar um filme bastante teatral e com a trilha sonora de Pinar Tropak (Juntos Novamente) e sua capacidade quase hipnótica de embalar nossas emoções que mudam a cada instante embalando a interpretação de uma forte menina que traz de seus sonhos toda a simbologia figurativa que eles representam e Freud explica, também por ser o criador da psicanálise dedicada à nessa área da mente humana, principalmente para interpretar esse turbulento momento da vida consciente e inconsciente de nossa jovem órfã de pai e mãe, que passa a estar sob a guarda tutelar de seu tio seu também solitário tio Philip, o especialista em fechaduras e maçanetas como quem passa a morar, longe do farol, semelhante ao do Arthur Curry: Aquaman.

Assim, de sonho em sonho, tendo em mãos o mapa encontrado pelo seu porco vivo e de pelúcia – uma versão do Babe, o porquinho atrapalhado. Nesse mapa foi traçado o percurso que leva às pérolas das histórias de seu recém finado pai, Nemo vai criando sua arte, que em nada tem a ver com travessuras costumeiras em escolas semelhantes às que ela passou a estudar de forma presencial, muito menos aquilo que é possível fazer, nas dependências de sua nova casa. Arte que por vezes teme a tinta a base d’água do monstro marinho que a persegue em, pintando seus pesadelos e capaz de invadir os mundos criados por outros sonhadores enquanto dormem. Percebemos a arte das referências em vários momentos no filme, seja no cenário ou figurino que se assemelha à pinturas renomadas, até mesmo por gestos e interpretação de cenas presentes em outras produções cinematográficas. Tudo, na maior parte do tempo ao lado do Porco e Flint, que é a versão fora da lei e onírica de seu tio, de barriga saliente que faz dancinha de Tik Tok e desfere golpes de caratê.

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A arte das referências fica ainda mais intensa a partir do momento em que nossos personagens percorre o caminho traçado pelo mapa, entrando no sonho de outras pessoas que naquele exato momento estão dormindo. Entraram sem convite em um salão de festa de A Bela e a Fera de Walt Disney de língua latina e dançarinos feitos de borboleta. O trio segue desbravando os mares das pinturas românticas de Will Turner (homônimo ao personagem de Piratas do Caribe), se depara em um andar diante de 3 agentes tomadoras de café que lembram os aliens de M.I.B., só que do Gabinete de Atividades Subconscientes (G.A.S.). Vai parar em um elevador de onde outro agente sai para subir as escadas da Op-Art de Escher. Passaram até por uma cidade de vidro sonhado por um jovem caminhoneiro coletor de lixo, entre outras referências que juntas fazem um autêntica menção às alegoria de Boch, percorrendo uma verdadeira galeria de artes em busca das pérolas mágicas capazes de realizar seus mais profundos desejos.

No momento em que posteriormente esteve a bordo do Wandeler herdado de seu pai, um pequeno veleiro que quase se torna um Nautilus afundado, Nemo foge da casa de seu tio para navegar em meio a chuva na tentativa de voltar para a casa no farol e realizar o sonho de ver seu pai vivo novamente. Sem saber ao certo a diferença entre sonho, realidade, inconsciência e afogamento após ficar desacordada devido a turbulência das águas, a aventura de Nemo vai chegando em seu desfecho após viver intensamente no domínio de seu sonho e de posse de duas pérolas apontadas pelo seu mapa, abocanhadas pelo Porco como tudo que via pela frente.

Terra dos Sonhos trata-se de uma aventura envolvente acessível a toda a família, capaz de fazer escancarar sorrisos e torcer por um final feliz até o membro mais frio dela. Vale a pena!

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não remete necessariamente a posição do ANMTV*.