Análise – Sonic Racing CrossWorlds: Sega faz o que Nintendo não faz

Reprodução.

Antes de iniciar para valer mais uma resenha, eu tenho que ser sincero sobre uma opinião pessoal minha com os leitores: eu nunca vi qualquer sentido em um jogo de corrida de Sonic onde esse personagem e os demais personagens de seu universo entram em veículos para disputarem corridas.

Afinal, por que um personagem que tem plena ciência de sua grande velocidade correndo usando as próprias pernas em todas as mídias que já apareceu iria querer disputar com seus companheiros (ou “colegas”, se estivermos falando de alguns rivais de longa data do ouriço…) para ver quem seria o mais veloz, com ele mesmo já sabendo?

SEGA / Divulgação

Se bem que… não há também um porquê exato de Mario e Crash resolverem apostar corridas a bordo de veículos com outros personagens de seus respectivos jogos, então, err…dane-se! Talvez a ideia só pareça legal e isso por si só basta. Principalmente se for bem executada, afinal estamos falando de personagens cartunescos sem qualquer compromisso com a realidade como a conhecemos.

E quando desenvolvedoras resolvem ir muito além de simplesmente seguir uma tendência estabelecida por concorrentes e resolvem jogar ainda mais propostas que a princípio também não parecem fazer qualquer sentido e ainda por cima misturarem tudo em um belo “liquidificador” imaginário para simplesmente ver o quê que sai disso?

Pois bem, pode-se dizer que ao menos para a Sega, uma dessas “vitaminas” improvisadas parece ser justamente Sonic Racing: CrossWorlds. Mas o que dá um gosto tão especial a essa nova tentativa da Sega em emplacar um jogo no melhor estilo Mario Kart a seu icônico mascote? Que tipo de decisões aparentemente “malucas” teriam levado a dúvidas se o resultado final daria ou não certo? O que fez um jogo que para muitos é aparentemente só mais um clone de Mario Kart a trazer um diferencial daquele que é o seu principal concorrente? Venha comigo ficar por dentro do que aconteceu para que essas e talvez outras perguntam sejam respondidas.

É PRECISO CORRER AINDA MAIS RÁPIDO

SEGA / Divulgação

Embora Sonic Racing: CrossWorlds não possua uma história propriamente dita de onde se chega em tudo aquilo que vemos em tela, é importante ao menos entender a história real da relação entre Sonic e o gênero corrida, ao longo de mais de 30 anos de carreira do personagem nos videogames e de como a Sega chegou até o jogo analisado atual.

Enquanto seu rival de longa data, Mario, já fazia história com o sucesso do então inusitado spin-off Super Mario Kart no Super Nintendo no ano de 1992, o ouriço velocista da Sega tinha por volta de apenas um ano de vida e no mesmo ano estava apenas dando continuidade ao êxito alcançado no ano anterior com Sonic 2, um jogo que alguns anos mais tarde consolidaria o status de clássico não só do console Mega Drive como da marca que já estava estabelecida.

Ao acompanhar os bons frutos colhidos pela concorrência, a Sega começou a considerar a ideia de aventurar seu velocista azul pelas pistas dirigindo veículos, mas ainda não tinha dimensões exatas de como fazê-lo, uma vez que as regras de jogos ao estilo “Mario Kart” ainda estavam se estabelecendo, e em uma tentativa um tanto quanto tímida de testar a proposta, lançou o game Sonic Drift para o seu Game Gear, um dos antagonistas do Game Boy da Nintendo dentro do segmento de videogames portáteis.

O desempenho da iniciativa foi modesto, mas suficiente para ao menos garantir uma sequência para o mesmo aparelho no ano seguinte, com direito a port para o Master System, mas algum tempo depois a Sega deixou “na garagem” os carros para fazer algumas experimentações que talvez deixassem jogos de corrida mais com a identidade que Sonic havia estabelecido, de um herói veloz e de estilo “radical” e juvenil.

Eis que nascia assim, em 1997, o jogo (para muitos esquisito) Sonic R, de Sega Saturn, que foi um dos que trouxe o personagem para o plano tridimensional e mesclava o estilo conhecido como “plataforma de mascote” com corrida, colocando dessa vez os personagens para correrem a pé em percursos inspirados nos lugares que fãs de longa data do ouriço, a essa altura, já conheciam bem, embalado também por músicas que são bem lembradas por todos aqueles que deram uma chance a empreitada, mesmo até hoje.

No entanto, o projeto não foi tão bem recebido pela crítica especializada, e acabou fazendo com que Sonic ficasse para trás junto com o Saturn diante do primeiro PlayStation, o qual os números de venda galopavam em uma velocidade muito mais rápida do que o próprio velocista azul era capaz de acompanhar.

Passado algum tempo (e alguns fracassos, como o declínio do Dreamcast e a conturbada saída da Sega da produção de hardware para videogames…), o personagem retorna às pistas para correr, mas dessa vez em pranchas futuristas no jogo Sonic Riders, em 2006, que trazia também novos personagens, novas trilhas sonoras e um novo estilo artístico vibrante, além de um tão desejado diferencial de Mario Kart e seu clima de jogo “infantil” ou “para toda a família”, com o benefício de ainda por cima ser multiplataforma.

Porém, o progresso da subfranquia logo foi por água abaixo após o fiasco amargado por Sonic Free Riders em 2010, especialmente graças a uma frustrada tentativa de trazer inovação para sua jogabilidade fazendo uso do periférico Kinect, do Xbox 360, que acabou não funcionando como se esperava, sepultando de vez a série Riders em um fim de trilogia um tanto quanto inglório, e que só aumentou ainda mais a onda de azar que vinha assombrando o personagem desde o “desastre apocalíptico” conhecido hoje pela fanbase pelo carinhoso apelido de “Sonic 06”.

Mas eis que após um breve “período sabático”, a Sega traz de volta Sonic ao automobilismo com Sonic & Sega All-Stars Racing, onde o mascote e sua turma disputavam agora corridas não só entre si, mas também com inúmeros outros personagens da vasta coleção de IPs da companhia, o que ajudou a impulsionar novamente as esperanças da empresa de que em algum momento novos jogos do estilo poderiam finalmente vingar como uma marca lucrativa, o que um tempo depois não pareceu tão verdadeiro, diante especialmente do desempenho morno de Team Sonic Racing em 2019, que acabou ficando para trás em comparação a adversários que o ultrapassaram na pista turbinados por um nitro movido a nostalgia e renovação, tais rivais eram nada mais nada menos que a turma de Crash Bandicoot por meio do então recente remaster de CTR – Crash Team Racing Nitro-Fueled, que vinha embalado pela remasterização da trilogia clássica dos jogos desse outro personagem.

E depois dessa (ufa!) longa e tortuosa estrada, repleta de altos e baixos, eis que chegamos a Sonic Racing: CrossWorlds, o jogo que é talvez a melhor incursão até então proporcionada pela Sega a uma de suas IPs mais icônicas. E por quê? Continue lendo para entender.

HUMILDADE, CRIATIVIDADE E APRENDIZADO COM OS PRÓPRIOS ERROS

SEGA / Divulgação

Desde que iniciou o movimento para promover o atual jogo de corrida do velocista azul, a Sega não escondeu o quanto estava investindo pesado para se diferenciar de inúmeras maneiras do principal jogo concorrente do segmento a ser batido e conquistar o público de qualquer maneira.

Entre algumas das estratégias para conseguir tais feitos, o time liderado por Takashi Iizuka, reconheceu primeiro que enquanto a Big N iria focar em um jogo que misturasse corrida e mundo aberto através de Mario Kart World, o Sonic Team iria se voltar para a jogabilidade arcade, e para isso convidou para participar do projeto alguns dos melhores profissionais da casa por trás de jogos de corrida consolidados da Sega, com direito a teste de rede aberto gratuito ao público para ajustes de acordo com o feedback da comunidade de jogadores.

Uma das outra táticas que trouxe diferencial ao produto é a possibilidade de Cross-plataform, onde em partidas online os jogadores poderiam disputar entre si de diferentes plataformas, numa democratização do acesso ao jogo que demarca uma clara contraposição à exclusividade de plataforma presente em Mario Kart.

Mas o outro destaque aqui vai também para a mecânica que justifica o subtítulo do game, na qual após uma volta correndo nas pistas, túneis dimensionais surgiriam no horizonte para serem escolhidos, nos quais o veículo primeiro colocado que o adentrasse iria transportar por tabela instantaneamente os demais para uma das outras pistas subsequentes de um mesmo conjunto presente nas cups (“torneios”) a serem escolhidas pelo jogador na tela de menu.

A ideia teria por base o conceito introduzido no universo cinematográfico de Sonic de como os anéis mágicos em posse do herói funcionavam para facilitar suas corridas, mas uma parcela mais velha do público certamente poderá se lembrar de ter visto algo semelhante, especificamente na animação Hot Wheels Via 35 – Corrida Mundial, lá do início dos anos 2000.

Variações na forma como o veículo é conduzido e de mecânicas podem ser percebidas a depender do trecho por onde o jogador desloca seu personagem, variando de forma considerável entre terra, água ou ar. Para citar exemplos, enquanto em terra, nas pistas, você pode fazer drifts em curvas para posteriormente acumular velocidade e impulsionar seu veículo para a frente, nos trechos aquáticos (com direito a modificações de adaptação para mobilidade) o acúmulo de energia que seria usado para o drift consiste agora em permitir que o veículo de seu personagem possa dar saltos que podem ser úteis tanto para ultrapassar adversários quanto desviar-se de ataques.

SEGA / Divulgação

A escolha de veículos a serem usadas é ampla e contemplam não só carros, como também as pranchas que foram introduzidas na série Sonic Riders. O mesmo pode se dizer da parte de customização, onde jogadores mais assíduos podem passar horas a fazer combinações entre veículos e pilotos que podem tornar proeminente aspectos como maior velocidade ou manobrabilidade, com direito a stickers (adesivos) que podem inclusive ajudar cada um dos seus veículos a terem visuais mais únicos e personalizados.

Conforme o jogador vence corridas e torneios, acumulam-se bilhetes donpa, que são o principal fator responsável pela progressão de opções no jogo, funcionando como “moedas de troca” que possibilitam, a medida que são juntados e trocados, não só a aquisição de novas peças para os veículos como também espaços adjacentes para que seu personagem possa comportar mais itens de corrida, seja para usá-los durante o percurso ou até para já iniciar as corridas já com a possibilidade de usar itens pré-selecionados em um dos menus.

SEGA / Divulgação

Na parte de elenco, a Sega resolveu inovar trazendo para a seleção de personagens a serem escolhidos não só personagens do universo de Sonic como em Team Sonic Racing, e resolveu repetir parte da receita de sucesso de Sonic & Sega All Stars Racing, colocando outros personagens de suas IPs para atuarem como pilotos nos jogos, com destaque a princípio para Joker de Persona 5 da Atlus e Ichiban Kasuga da série Yakuza, que virão em DLCs complementares. Em sua versão inicial, o jogo conta com 23 pilotos a serem escolhidos.

Todavia, a própria Sega já deixou claro que não restringirá o jogo apenas a personagens de suas IPs, firmando parcerias com outros nomes fortes do entretenimento oriental e ocidental tais como Hatsune Miku, Minecraft, Bob Esponja, Mega Man, Pac-Man e até mesmo Beyblade, fazendo com que CrossWorlds chegue a quase lembrar um Super Smash Bros de corridas, dada a ampla “salada” de franquias que se reuniram ao redor do projeto.

Em relação à trilha sonora, o jogo faz bom uso de músicas de fases de outros jogos de Sonic, algumas vezes usando remixes que chegam a deixar a experiência das corridas ainda mais imersivas, o que é excelente (destaque aqui para as trilhas das pistas Holoska e Magma Planet). Já na parte gráfica, apesar das imagens serem no geral bonitas, por vezes durante a corrida há tanta coisa acontecendo na tela que faz o game parecer mais caótico do que ele de fato é, um pequeno defeito que felizmente não chega a prejudicar tanto as qualidades (que são muitas) embutidas no produto final.

VEREDITO

SEGA / Divulgação

A sensação mais gratificante de poder enaltecer um dos bons jogos de Sonic por meio de uma análise/resenha, é que ao olhar para o resultado final em retrospecto, a sensação que se tem é de que observamos o personagem aceitar um desafio, lutar contra o que é imposto, falhar de maneira rude ou nem tão grosseira em suas tentativas e finalmente conquistar o sucesso por mérito, esforço e aprendizagem, algo que não percebemos tanto quando somos agraciados por novos jogos de Mario, que por sempre ter tido uma constância na qualidade do que era entregue, acabava sendo como aquele aluno que em sala de aula sempre tirava boas notas, e nunca contrariava as boas expectativas dos professores.

Sonic Racing CrossWorlds, é a prova de que a Sega é capaz de façanhas incríveis, e talvez até inimagináveis, quando simplesmente aprende com os próprios erros e percebe falhas que seus próprios concorrentes não são capazes de observar dentro da posição confortável em que se encontram.

Se você ainda não tem acesso a Mario Kart World, ou acha que em comparação a seu antecessor o último lançamento da Nintendo lhe deixou um gosto azedo com o produto final, invista em Sonic Racing: CrossWorlds sem medo, pois ações na forma de produtos feitos com base na opinião dos fãs sobre o que eles realmente querem para um jogo, com certeza precisam ser bem recompensadas para que todo mundo só tenha a ganhar com isso.

Nota 9.5/10

Sonic Racing: CrossWorlds está disponível para PlayStation 5 e 4, Xbox One, Xbox Series S/X, Nintendo Switch e PC.

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não remete necessariamente a posição do ANMTV*