Análise: Sonic Prime – rápidas viagens entre realidades e um lento amadurecimento

WildBrain Productions / Man of Action / SEGA / Netflix / Reprodução

No dia 15 de dezembro houve a tão aguardada estreia de Sonic Prime, nova animação do icônico mascote da SEGA anunciada há pouco mais de dois anos em 2020 para a Netflix. Com produção à cargo do estúdio Man of Action em parceria com a canadense WildBrain, a série traz consigo a ambiciosa proposta de trazer uma trama onde o velocista azul se aventura por realidades alternativas,  e hoje vamos discutir se o público poderá contar com a satisfação esperada ao ter contato com essa nova aventura.

Enredo

Em meio a mais um confronto para frustrar mais um dos maquiavélicos planos do Dr. Eggman Robotnik, Sonic e seus amigos precisam impedir o malfeitor de ter acesso ao misterioso Prisma do Paradoxo, um cristal cuja extensão de poderes é desconhecida, e que acaba por ser descoberto no subterrâneo da zona de Green Hill.

Porém, em um certo momento durante a batalha para impedir o gênio maligno de levar consigo a pedra junto a seus robôs badniks, o prisma é estilhaçado por um golpe do Sonic gerando uma explosão de energia graças ao impacto que teletransporta o ouriço para o que parece ser, a princípio, uma outra dimensão.

Posteriormente, Sonic se percebe na estranha cidade de Nova Yoke, um ambiente com ares tecnológicos e sombrios que é situado em uma realidade alternativa em que aparentemente Robotnik conseguiu dominar o mundo e que foi erguida no exato local antes ocupado pela zona de Green Hill.

No entanto, o herói vai descobrir que o ambiente onde está é na verdade controlado pelo Conselho do Caos, que nada mais são do que um grupo composto por 5 variações de diferentes idades e aparências do próprio Robotnik original, e que ao descobrirem no decorrer dos eventos da série o poder que os fragmentos do prisma podem proporcionar, passam a ter interesse em descobrir suas reais capacidades e com isso controlar todo o multiverso tornando-se a ameaça da vez a ser enfrentada, e isso enquanto o próprio Sonic se aventura por outras diferentes realidades tentando buscar meios de voltar para a realidade a qual pertence.

WildBrain Productions / Man of Action / SEGA / Netflix / Divulgação

Pontos positivos e negativos

Um dos pontos mais interessantes da animação é a forma como aos poucos a personalidade de Sonic vai sendo trabalhada no decorrer dos capítulos, proporcionando ao personagem um amadurecimento sutil, que aos poucos faz com que o mesmo fuja do lugar comum que a própria SEGA estabeleceu para seu personagem desde a era do Dreamcast, onde temos o típico e caricato exemplo do herói sempre muito confiante nos próprios poderes, cheio de piadas e trocadilhos na ponta da língua para disparar contra adversários e que não costuma pensar muito antes de agir por sua própria velocidade não o deixar.

A medida que Sonic se vê cada vez mais enrolado nas suas viagens pelo multiverso, alguns flashbacks são feitos para mostrar com mais detalhes que acontecimentos antecederam e ocorreram em simultâneo à colisão do ouriço por meio de um spin dash dado no prisma. Embora o apego que Sonic desenvolve ao ter contato com as diferentes versões de seus amigos e os dramas que enfrentam se dê de forma quase que espontânea, os deslocamentos aleatórios feitos ora por uso da própria rapidez do herói ou do contato com fragmentos do prisma do paradoxo vão tirando o personagem de seu lugar comum e fazendo com que tenha sempre que compreender e lidar com o novo contexto onde é jogado de forma muito mais rápida do que é capaz de correr, uma vez que cada realidade alternativa traz suas peculiaridades, com uma delas ensinando inclusive sobre a valorização de coisas que não se lembrava de dar tanta atenção, como os momentos juntos a seus amigos originais e até uma liderança mais responsável.

Tais mudanças por vezes brindam o público com versões alternativas com propostas que não demoram a se mostrar interessantes, como o soturno Nine, um Tails alternativo que constrói para si 7 caudas robóticas extras fazendo do personagem um misto de Dr. Octopus da galeria de vilões do Homem Aranha com a célebre raposa de 9 caudas da mitologia japonesa.

WildBrain Productions / Man of Action / SEGA / Netflix / Divulgação

Porém, nem todos os equivalentes alternativos conquistam os fãs logo de cara, e aqui cito como exemplo as personagens Thorn Rose/Espinhosa e Rusty Rose/Ferrugem, ambas versões de Amy Rose. A primeira, ao meu ver, não conseguiu convencer tanto com as motivações que apresenta para agir como age no momento em que aparece e a segunda mencionada, ainda que se mostre interessante em um primeiro momento, não tem tempo de tela para trazer algum background que a torne marcante.

Embora as realidades alternativas aparentem se passar em diferentes épocas, o fator tempo praticamente nem chega a ser mencionado, o que pode não favorecer para que personagens apreciados pelos fãs, como Silver e Blaze, possam ser costurados ao roteiro em futuras aparições que possam soar minimamente coerentes.

Vale comentar também sobre a personagem Rouge, que aqui aparece com roupas mais “comportadas” e desviando um pouco de características que a consagrou entre o público desde sua primeira aparição em jogos como Sonic Adventure 2 ou outras produções anteriores como Sonic X, mas não menos carismática apesar das mudanças que parecem casar com a Classificação Livre da animação.

Shadow tem algumas das melhores aparições em animações desde Sonic X e rende bons momentos sempre quando entra em cena, mostrando inclusive o que é talvez o mais forte ponto positivo da série: cenas de ação e lutas. O CGI usado na animação flui muito bem e rende incríveis e frenéticas sequências que conseguem encobrir outros aspectos mais esquecíveis como a trilha sonora, que embora cumpra seu papel poderia abrilhantar ainda mais o espetáculo visual entregue ao público tal qual como nos jogos.

WildBrain Productions / Man of Action / SEGA / Netflix / Divulgação

Em relação à dublagem brasileira feita nos estúdios da Som de Vera Cruz no Rio de Janeiro sob a direção de Matheus Perissé, uma das falhas mais perceptíveis é a inconstância de termos utilizados nos poucos episódios que foram disponibilizados ao público, que ora são mencionados conforme o original em inglês e ora traduzidos para o nosso idioma, algo levemente incômodo mas que não prejudica totalmente a experiência de preferir assistir na opção dublada.

Leonardo Serrano retorna para dar voz ao Knuckles, e personagens cujos dubladores mais conhecidos entre o público faleceram, como Tails, Eggman e Amy Rose levam agora respectivamente as vozes de Jéssica Vieira (Marinette/Ladybug em Miraculous: As Aventuras de Ladybug), Hélio Ribeiro (Arthur Fleck/Coringa em Coringa) e Bia Menezes (Tohru em Kobayashi-san Chi no Maid Dragon) mantendo no geral a qualidade do trabalho oferecido por seus antecessores em outras animações do ouriço como Sonic X e Sonic Boom.

Veredito

Ainda que Sonic Prime não seja uma animação perfeita em todos os sentidos, apresenta sim uma boa execução e uma ótima proposta de enredo, que poderia ter sido inclusive usada até em um jogo. Além da equipe, o êxito da empreitada é também mais um mérito do roteirista Ian Flynn, que ainda que não tenha participado de forma direta da construção de roteiros da animação, prestou serviço como consultor criativo e não permitiu que a peteca caísse, consolidando cada vez mais seu nome no histórico de Sonic nas mídias impressas e televisivas.

Sonic Prime, sem dúvida, irá garantir algumas boas horas de diversão seja a quem já conhece o ouriço de longa data ou a um público novo que tem tido ótimas oportunidades de terem seus primeiros contatos com o personagem em anos mais recentes.

Se por um lado, Sonic não tem tido a sorte de contar com jogos de grande impacto no segmento de onde foi revelado ao mundo, por outro o personagem ao menos mostra que ainda tem uma energia considerável para correr velozmente por mais alguns anos através de boas histórias trazidas por outras mídias, que definitivamente garantem a renovação de público que o personagem precisa para se manter vivo no imaginário popular.

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não remete necessariamente a posição do ANMTV*