Análise: SaGa: Emerald Beyond: Decida seus rumos e crie sua própria saga

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Embora a Square Enix seja uma velha conhecida minha, como entusiasta de jogos eletrônicos, a franquia SaGa me foi por anos o que eu poderia chamar de uma “ilustre desconhecida”, mesmo para alguém com uma relativa familiaridade com RPGs japoneses. Tendo vindo ao mundo no ano de 1989, através do portátil Game Boy da Nintendo com o título Makai Toushi Sa Ga, a criação de Akitoshi Kawazu (que também trabalhou em jogos da franquia Final Fantasy) inicialmente foi vendida em regiões, como a América do Norte, como um derivado de sua obra irmã mais famosa, através do título The Final Fantasy Legend, com o propósito descarado de “surfar” na onda causada por uma marca então já mais ou menos estabelecida no ramo de videogames entre o público ocidental.

Porém, aos poucos SaGa foi ganhando contornos que lhe deram identidade própria, e passou a diferenciar-se de Final Fantasy pelas possibilidades de exploração que o seu universo permitia e o estilo de narrativa não linear de suas estórias, ganhando pela primeira vez uma produção com o título definitivo pela qual passaria a ficar conhecida com Romancing SaGa, lançado em 1992 com exclusividade para o Super Famicom (versão japonesa do console conhecido nas Américas e na Europa como “Super Nintendo”).

Square Enix / Divulgação

Com o relativo sucesso em seu país de origem, SaGa acumulou até o momento 15 lançamentos de sua linha principal (3 deles como Final Fantasy Legend) de games e 4 spin-offs próprios, mas sempre lidando com alguma dificuldade para cativar o almejado mercado americano e ocidental de jogos, e é com essa difícil responsabilidade que o mais recente SaGa: Emerald Beyond veio ao mundo, sendo este um jogo stand alone, aqueles de uma franquia os quais os jogadores não precisam ter tido acesso a outros títulos anteriores para usufruir ou aproveitar. Mas conseguirá a mais nova produção da franquia apresentar a magia de SaGa a toda uma nova geração de jogadores e fidelizá-los com sua proposta, tal qual como Armored Core VI (também analisado aqui)? É o que vamos descobrir a seguir:

INDO ALÉM DAS ONDAS ESMERALDAS

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Na proposta de SaGa: Emerald Beyond, o jogador pode escolher antes de começar a campanha por até 5 linhas narrativas com 6 protagonistas diferentes (uma delas envolvem duas que agem juntas), cada um deles com motivações distintas para iniciar e prosseguir com suas próprias aventuras que podem cruzar-se direta ou indiretamente.

Entre os personagens principais a serem escolhidos estão respectivamente: Tsunanori Mido, guerreiro e invocador responsável por zelar pela barreira que protege uma cidade, a aprendiz de bruxa Ameya Aisling, que por algum motivo perdeu suas habilidades mágicas, o vampiro Siugnas, que após ser vítima de uma traição perdeu o seu posto como nobre graças à invasão de seu reino, as policiais Bonnie Blair e Formina Franklyn, que estão no meio de uma investigação sobre um crime e, por fim, Diva nº5, um andróide de aparência feminina que teria perdido não só sua capacidade de cantar como também suas memórias após performar uma canção proibida. Para a realização desta análise, o personagem escolhido foi Tsunanori Mido.

Após a escolha, o jogador iniciará seu percurso podendo decidir novamente por qual dos diferentes cenários irá começar o seu deslocamento através de um local conhecido como The Beyond (O Além, em uma tradução literal), um espaço interdimensional etéreo, que conecta 17 mundos distintos que compõem os cenários pelo qual o jogador irá transitar e onde acontecimentos ajudarão o enredo do personagem escolhido a se desenrolar de acordo com suas próprias decisões, mediante diálogos com NPCs em meio às situações apresentadas e batalhas as quais poderá se envolver.

Antes disso, é mencionado previamente que The Beyond está passando por perturbações em sua estrutura que colocam em risco cada uma dessas dimensões de diferentes maneiras, sendo o seu personagem um dos convocados por uma força misteriosa para intervir em cada uma delas e assim salvar e preservar a existência da própria realidade, sendo isso o “prólogo” do que o próprio jogador irá desenvolver em sua experiência particular.

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A princípio, há apenas 3 escolhas de caminhos à disposição para aqueles que estão começando a jornada, sem maiores informações sobre o que se espera ao visitar os mundos disponíveis, cada um deles estão /marcados pelas Emerald Waves, linhas brilhantes de cor verde esmeralda que ajudam inclusive o jogador a não se perder de pontos em que há os principais eventos do ambiente onde está situado.

À medida que conclui os eventos em que se envolve em cada um dos universos para onde vai, o herói terá acesso a 3 novas opções para onde desejar explorar. Um detalhe importante a ser frisado aqui é que, mesmo que jogadores em suas respectivas campanhas optem por um mesmo personagem para jogar, eventos que podem ter passado pela trajetória de um podem nem aparecer para o outro, por não serem obrigatórios para seguir adiante ou mesmo surgir de forma distinta ou em um tempo diferente a depender das escolhas que cada um irá fazer para conduzir sua experiência, demarcando bem a característica que faz SaGa ser aquilo que é.

ADEQUAÇÕES ÀS MÚLTIPLAS PLATAFORMAS

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Por tratar-se de um jogo para múltiplas plataformas e que contempla entre elas inclusive usuários de aparelhos com os sistemas Android e iOS, algumas decisões envolvendo simplificação gráfica para dar ao game a mesma dinâmica de funcionamento tanto em computadores e consoles quanto em tablets e celulares foram feitas.

Nota-se aqui que a Square optou por um formato comum de jogos em estilo visual novel* em momentos em que fatos e diálogos relativos ao enredo são apresentados. Deste modo, em meio a balões de fala ou texto quadrados imagens estáticas de cenas ou ilustrações dos personagens que estão interagindo com pouco ou nenhum movimento em tela são apresentadas.

No estilo de arte, como pode-se observar na imagem acima, é possível notar que o design de personagens mescla um estilo realista com algo levemente “cartunesco”, que sustenta a qualidade estética tanto no uso de gráficos bidimensionais quanto tridimensionais, a trilha sonora administrada por Kenji Ito (que já havia trabalhado em jogos anteriores da série) embora não seja muito variada é competente, e ajuda a tornar agradável tanto os contextos de ação quanto de exploração.

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Já em relação aos momentos que o jogador conduz o personagem pelo cenário dos mundos em que adentra, o que se pôde perceber é que tais áreas foram estilizadas na forma de dioramas** onde praticamente apenas o personagem controlado pelo jogador se move e embora haja algumas tramas interessantes durante essa parte da jogabilidade, como um planeta onde é possível escolher qual facção se aliar para definir os rumos de uma guerra ou um lugar que consiste em um organismo vivo, no qual diálogos e eventos são carregados de conceitos que caberiam em uma aula de biologia, boa parte dos universos são monotemáticos e não tão complexos quanto podem sugerir parecer. Ainda que as situações ofereçam escolhas ao jogador, há por vezes a sensação de que independente do que se escolher não haverá diferenças significativas para o que quer que venha a acontecer a seguir.

TURNOS PARA QUE TE QUERO

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Na parte de ação do jogo, os combates são feitos na forma de um sistema de turnos onde ao início de cada confronto, a equipe de personagens controladas pelo jogador tem acesso a uma determinada quantidade limitada de battle points (BP), que aparecem na forma de estrelas amarelas na área central inferior da tela. Tais pontos de batalha vão aumentando sua quantidade conforme os turnos do embate avançam, possibilitando o aumento de ações por parte da equipe de personagens, seja na forma do uso de ataques mais poderosos por parte de um ou outro ou possibilitando que mais ou mesmo todos os membros do time possam atacar ou realizar ações. A quantidade de BP com a qual o jogador irá começar vai depender da formação que o grupo está montado, sendo possível alterar a mesma conforme o interesse do jogador através de opções no menu que antecedem a disputa que está por vir, onde também é possível alterar equipamentos de combate ou fortalecê-los.

Durante a escolha de ações ou golpes a serem realizados, é possível ver uma linha do tempo que vai da esquerda para a direita na parte central inferior da tela, essa linha indica quando será a vez de cada personagem do grupo aliado ou inimigo realizá-las, em um esquema que chegou a me lembrar bastante um pouco os jogos da linha Story de Digimon. Existem habilidades que podem permitir que personagens possam avançar turnos na linha do tempo e possibilitar “combos” que além de executar técnicas com maior impacto, permitam também que haja ataques duplos ou triplos a adversários. Para a aprendizagem de novas técnicas pelos personagens do grupo, o jogo faz uso de um método conhecido como glimmer, onde o constante uso de certos golpes e poderes assim como a frequência de situações como “combos” tornam possíveis com que suas unidades possam aprender novas habilidades que venham a lhe ser úteis, tornando a recompensa e a evolução por batalhar quase que constante.

Para ter acesso às batalhas, é preciso que o jogador desloque o personagem para áreas no mapa que tem um pequeno ícone vermelho acima dos portais indicando a presença delas, ocasionalmente sendo surpreendido com alguma em meio a diálogos com NPCs ou em monólogos durante a exploração de um local escolhido. Embora quem esteja jogando não tenha que lidar com as infames batalhas aleatórias enquanto desloca o personagem pelo terreno típicas de RPGs mais antigos da própria Square ou de outras produtoras, ter que ficar andando de uma ponta a outra de alguns cenários quase vazios para encontrar confrontos que façam a narrativa do espaço em que se está avançar, pode ser uma experiência um tanto quanto enfadonha.

Vale destacar que a interface do game é bastante amigável para jogadores novatos ao indicar, por exemplo, o grau de dificuldade de combates a serem escolhidos, e apresentando tutorias durante combates que ajudam o jogador a ter uma compreensão mais minuciosa de mecânicas dessa parte do jogo que possam levar a um melhor aproveitamento das lutas, o que sem dúvida seria um baita acerto SE a Square tivesse disponibilizado tradução para português dos textos e diálogos do jogo, que são a espinha dorsal do jogo, até por serem muitos, diga-se de passagem.

VEREDITO

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SaGa: Emerald Beyond é um jogo que cumpre de forma razoável a sua proposta de apresentar a franquia SaGa a uma gama de interessados em conhecê-la, mas que acaba um tanto quanto “sabotado” pelo estúdio responsável por sua produção, uma vez que aparenta trazer uma proposta maior do que o próprio orçamento destinado a ele permite assim como pelo próprio tropeço que com alguma frequência se repete por parte da Square em limitar os idiomas em que seus jogos são disponibilizados.

O jogo tem todo um estilo que remete à jogabilidade pelo qual grandes JRPGs ficaram conhecidos, mas que pode não atrair ou encantar um público que está acostumado a RPGs atuais que trazem um ritmo mais frenético de ação, sendo preciso talvez alguma paciência para aproveitá-lo. O que resta saber é se de fato o público médio ocidental vai comprar tal proposta ou o jogo mais uma vez se sustentar de uma retroalimentação feita pelo nicho de fãs da própria franquia ou de JRPGs em geral já consolidados.

SaGa: Emerald Beyond está disponível para os consoles Playstation 4, Playstation 5, Nintendo Switch, PC (via Steam) e para as plataformas móveis Android e iOS.

*Visual Novel: mídia ou estilo de jogo que faz uso de imagens e textos onde uma narrativa é apresentada ao jogador e é desenvolvida de acordo com situações que lhe são apresentadas conforme suas escolhas.

**Diorama: representação através de pequena escala de uma cena ou ambiente no formato de maquete.

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não remete necessariamente a posição do ANMTV*