Análise: Raidou Remastered – Demônio bom é só o que trabalha para você

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Aventuras ambientadas em um Japão feudal antigo, com um entorno rodeado de samurais, ninjas, monges lutadores e/ou até youkais e outras criaturas sobrenaturais do folclore japonês há algumas décadas proporcionam fascínio, não só aos próprios japoneses como também ao público ocidental.

Produções audiovisuais com enredos situados em um Japão futurista, e com uma tecnologia ainda mais avançada que a que povoa o imaginário popular mundial sobre o país, contando com a presença de elementos como robôs gigantes, aero ou espaçonaves imponentes, seres alienígenas e/ou até subtramas políticas que abordam tópicos atuais sob um verniz de ópera espacial ou de distopia cyberpunk é também com certeza um tipo de produção que o público nipônico e ao redor do mundo já se acostumou a ocasionalmente apreciar e consumir há alguns bons anos.

Contudo, os mais atentos talvez tenham notado que existe um certo período da história japonesa que vem ganhando destaque considerável há algum tempo em mídias vindas do país, a chamada Era Taisho, cenário de obras famosinhas como um tal… Demon Slayer, só para citar exemplos.

Consolidada no início do Século 20, entre os anos de 1912 e 1926, a época ficou marcada não só por dar continuidade do processo de modernização do Japão iniciado em sua antecessora (Meiji), como também pelo avanço cada vez mais acentuado de ideias ocidentais dentro daquela sociedade, que tentava se desenvolver da sua própria maneira em meio à Primeira Guerra Mundial e a uma conturbada relação que o Japão vinha tendo com nações vizinhas, como a China.

E por que abordar um contexto um tanto quanto específico de um país geograficamente tão distante? Porque é fundamental ter uma noção básica do que foi a Era Taisho para compreender o que faz Raidou Remastered: The Mystery of The Souless Army um jogo tão diferenciado e até mesmo especial para aqueles que tenham seus primeiros contatos com ele.

Produzido pela Atlus como um spin-off daquela que foi e ainda é talvez sua principal série para muitos, Shin Megami Tensei (ou MegaTen, para os íntimos), Raidou Remastered encontra seus principais aspectos inovadores ao não só trazer o público para um ciclo de tempo até então pouco habitual de se ver em outros jogos da produtora como também por fazer com que seus diferenciais de jogabilidade forcem game designers da desenvolvedora a sair do lugar comum estabelecido por franquias consagradas como Persona e o próprio MegaTen. Mas quais seriam tais elementos que tornam Raidou uma experiência tão única e diferente de seus “irmãos”? Mesmo com tal proposta diferenciada, o game ainda se sustenta? Siga adiante para descobrir.

LEGADO, MISSÃO E CONSPIRAÇÃO

SEGA / Atlus / Divulgação

No enredo, o público é apresentado a um jovem aprendiz de detetive que está prestes a finalizar seu treinamento de combate em algum lugar do Japão dos anos 20 para posteriormente receber a nomeação de Raidou Kuzunoha XIV e atuar com o título de Invocador de Demônios (Devil Sumonner), investigando incidentes e crimes que tem relações diretas ou indiretas com o mundo sobrenatural existente e paralelo ao território nipônico e seus peculiares habitantes.

Porém, em uma de suas andanças, pouco após oficializar seus serviços à Agência de Detetives Narumi, Raidou acaba trombando com uma misteriosa garota chamada Kaya, que após surpreendê-lo implorando que ele acabe com sua vida (!), acaba sendo raptado por estranhas figuras humanóides trajando uniformes vermelhos.

Agora, Raidou precisará descobrir o mistério por trás do desaparecimento de Kaya, e ao longo da narrativa apresentada perceberá que está lidando com uma situação muito mais complexa do que lhe parecia a princípio, envolvendo problemas a serem enfrentados que vão desde conspirações políticas até uma ameaça demoníaca que pode colocar em cheque não só o destino de Tóquio como da humanidade em geral.

DETETIVE POR OBRIGAÇÃO E DOMADOR DE DEMÔNIOS POR ESPORTE

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Embora traga uma missão principal que norteia os rumos que o jogador deve seguir ao assumir o controle de Raidou, durante a experiência de jogo é possível intercalar com pequenas missões paralelas (ou side quests) que ajudam a explorar o lado “detetivesco” do personagem, que hora pode atender ao interesse de outros seres humanos comuns ou até mesmo de entidades sobrenaturais não hostis com quem ocasionalmente ele irá se deparar pelo caminho.

Boa parte dos demônios com quem interagimos durante a história, seja em confrontos ou tornando-os aliados aqui são praticamente os mesmos que vimos em MegaTen e Persona, havendo uso até do mesmo estilo artístico das franquias “irmãs” (legado deixado pelo character design e ex-diretor artístico da Atlus, Kazuma Kaneko) e do mesmo tom narrativo característico, que alterna entre momentos cotidianos ordinários e de um misticismo com ares sombrios.

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Na jogabilidade, Raidou se destaca de outros jogos da Atlus por substituir as tradicionais batalhas de turnos por lutas em tempo real que o deixam mais próximo de concorrentes com proposta similar de outras empresas, sendo talvez Devil May Cry da Capcom um dos primeiros títulos a se pensarem em termos de comparação direta.

Contudo, uma das particularidades que Raidou tem em comparação ao estilo mais contemporâneo e ousado de Dante em suas incursões para “deitar seres demoníacos na porrada” enquanto o jogador esmaga um dos botões do controle, é que aqui é possível tornar os demônios aliados interessantes que podem fazer não só toda a diferença nos embates como até em alguns momentos de exploração em meio a gameplay.

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Ainda referente ao modo de combate, é possível a Raidou fazer uso tanto de magias elementais quanto armas de fogo, que embora complementem os danos causados a adversários, podem também causar atordoamento nos inimigos a depender das fraquezas deles. Tais técnicas e ferramentas tem consigo limites de uso que fazem com que seja preciso que o jogador possa alternar o uso dos recursos à sua disposição durante as lutas, ora utilizando espadas, lanças ou machados para atacar e se defender ou até mesmo acionando comandos no controle para usar itens de suporte ou desviar da linha de alvo dos golpes desferidos pelos rivais.

E O QUE MAIS HÁ DE NOVO?

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Além de consideráveis melhorias gráficas notáveis que aproximam mais a remasterização de um remake, a versão mais atualizada das aventuras de Raidou Kuzunoha retirou a mecânica de batalhas em meio a encontros aleatórios, acrescentando ao invés disso a possibilidade de você entrar em lutas ao tocar algum dos inimigos que circulam pelo mapa, algo que já vinha sendo adotado há algum tempo não só em outros jogos da Atlus como até em outras franquias “RPGísticas” rivais como Dragon Quest.

Marcadores de objetivos também foram acrescentados para não permitir com que jogadores se percam durante sua jogatina, no entanto, tais marcadores não podem ser desativados através da configuração de menus para aqueles que desejem uma experiência mais próxima da fornecida pelo jogo original.

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A quantidade de criaturas que você pode enfrentar e capturar para usá-las ao seu próprio favor foi expandida, assim como novas possibilidades de utilização para cada um deles ao longo do percurso graças à adição de novas side quests.

Loadings (carregamentos) também tiveram uma redução significativa e houve um gratificante acréscimo de diálogos contendo vozes faladas em momentos onde no game original elas não existiam, mas nem tudo foi mudado, mesmo porque nem tudo precisava ser e é aqui justamente que a trilha sonora competente se encaixa, ao não ter sofrido nenhuma alteração significativa.

VEREDITO

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Ainda que traga consigo uma série de propostas interessantes e até bastante personalidade na forma como são apresentadas, Raidou Remastered não chega a ser exatamente um jogo de absoluta excelência em tudo que se propõe.

Para começar, pela ausência de localização para o jogo em português, onde sequer legendas foram postas pela Atlus, seja para facilitar o entendimento de diálogos para um novo público como também para somar ainda mais às qualidades que o jogo já apresenta.

Há também ocasiões em que o jogador pode achar que durante os combates, é mais ele que está auxiliando os próprios demônios que faz uso ao invés do contrário, especialmente por conta das limitações na utilização do que os próprios seres são capazes de fazer sob o comando dele.

Por vezes parece também que os golpes não tem qualquer peso observável contra os oponentes, e mesmo as melhorias obtidas para que eles possam ser desferidos e para as armas, consistem na maior parte das vezes apenas no acréscimo de habilidades passivas, que não fazem com que as lutas avancem muito além do que foi inicialmente apresentado, embora uma ou outra melhoria ainda ajude embates a fugirem de seu normal, os tornando mais divertidos.

No entanto, não quer dizer que aqueles que resolvam dar uma chance ao jogo, seja entre os que tiveram acesso ao original lançado em 2006, ou que estejam sendo apresentados a ele pela primeira vez, irão se decepcionar com o resultado final.

Raidou Remastered recebeu o tratamento que eu diria que todo novo jogo relançado para plataformas atuais merecia receber, apresentando um elogiável equilíbrio entre nostalgia e renovação, e pode ser uma aquisição muito bem vinda à sua biblioteca de jogos se você deseja ver um pouco do que a Atlus pode fazer quando é convidada a sair um pouco da sua zona de conforto.

Raidou Remastered: The Mystery of Souless Army está disponível para as plataformas Playstation 4, Playstation 5, Xbox Series S/X, Nintendo Switch, Nintendo Switch 2 e PC (via Steam).

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não remete necessariamente a posição do ANMTV*