Análise – Little Nightmares III: A essência do terror psicológico

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Quando joguei Little Nightmares pela primeira vez, ainda estávamos num momento de pós-pandemia. Logo de cara eu o achei um jogo estranho, mas que por alguma razão me chamou atenção. Apesar de parecer perturbador, o título mostrou que o terror não precisa de sangue ou grandes sustos para mexer com a nossa mente.  Logo depois foi lançada a continuação, Little Nightmares II, que conseguiu transmitir a mesma sensação, quebra-cabeças mais inteligentes, uma tensão silenciosa que vai crescendo à medida que você percebe que algo está te observando, mesmo sem ver o que é.

Com a chegada de Little Nightmares III, fiquei curioso. A Supermassive Games (Until Dawn) assumiu a produção, substituindo a Tarsier Studios, e essa troca de estudios nos faz pensar o que poderia mudar. Pelos trailers, a proposta do terror seria diferente. Será que conseguiriam manter a essência que fez o primeiro jogo funcionar? Parece que sim. 

Em Little Nightmares III, você é lançado diretamente no “Spiral”, um lugar distorcido e costurado a partir de pesadelos ou, talvez, sonhos esquecidos. Difícil dizer a diferença. O ambiente é dividido em quatro grandes áreas: a desolada Necropolis, a sombria Fábrica de Doces, o colorido mas perturbador Carnevale e o desolado Instituto. Cada uma delas tem seu próprio tom de desconforto. Elementos familiares como mesas, brinquedos e paredes estão lá, mas de forma distorcida, criando uma sensação de inquietação constante.

Acompanhamos os protagonistas Low e Alone, dois jovens tentando escapar desse lugar. Low, com sua máscara de pássaro e arco, e Alone, com os cabelos vermelhos com tranças e uma chave inglesa exagerada. Eles nunca falam, e nem precisam. A comunicação é feita por seus gestos: a hesitação antes de saltar, o olhar de um para o outro nos momentos de perigo. Detalhes simples, mas que dizem muito. A narrativa não é explícita, mas você vai compreendendo o enredo ao observar o mundo ao seu redor: bonecas quebradas, paredes inexistentes, móveis exageradamente grandes. Nada é explicado, e é justamente isso que torna a experiência mais eficaz. O jogo te desafia a preencher as lacunas com sua própria interpretação.

Bandai Namco / Divulgação

Em certos momentos, você simplesmente faz uma pausa para observar. Um corredor repleto de cabeças de bonecos penduradas como troféus. Uma parede coberta de impressões de mãos, iluminada por uma luz intermitente. São imagens estranhas e desconcertantes. E o mais interessante é que Little Nightmares III nunca dá respostas, o que faz com que essas imagens fiquem na sua cabeça por muito mais tempo. No que diz respeito à jogabilidade, o novo título mantém a fórmula dos anteriores: enigmas, cenas de perseguição e aquele estilo furtivo de sempre. Porém, agora a ênfase está na cooperação. É possível jogar online com um amigo ou contar com a IA para acompanhar. Ambas as opções funcionam, mas, honestamente, é mais divertido quando outra pessoa está ali, compartilhando os sustos e as tensões.

Low com seu arco e Alone com a chave inglesa criam momentos de trabalho em equipe que são muito satisfatórios. Um aciona interruptores ou cordas, enquanto o outro destrói obstáculos. Quando tudo se encaixa, é uma sensação ótima. Em uma das partidas, gritei para meu amigo soltar uma plataforma enquanto eu disparava uma flecha contra um inimigo. Conseguimos escapar por um triz. A plataforma cedeu logo depois. Eu ri, mas só percebi o quanto minhas mãos estavam tremendo.

Bandai Namco / Divulgação

Apesar disso, nem tudo é perfeito. O controle pode parecer confuso em certos momentos. A movimentação é um pouco rígida. Perder um pulo, e lá se vai o progresso. Isso não quebra o jogo, mas certamente atrapalha o ritmo, especialmente quando você tem que repetir algo que já havia resolvido. O combate também segue a mesma linha: pesado, lento. E atirar com o arco sob pressão nem sempre é tão preciso. Ainda assim, quando as coisas funcionam, a diversão é garantida. A tensão é sentida, você e seu companheiro mal conseguem se equilibrar enquanto tentam entender quem vai fazer o quê. A bagunça e o estresse se tornam parte do que faz o jogo divertido.

Gráficamente, Little Nightmares III é impressionante desde os primeiros passos no Spiral. O jogo acerta em cheio ao misturar beleza e medo. Cada ambiente parece ter sido feito à mão para criar uma sensação de desconforto. Você tem vontade de parar e observar, mesmo sabendo que algo vai se mover a qualquer momento. A iluminação tem um papel importante aqui: uma luz suave te atrai, mas logo as sombras a consomem, criando uma constante sensação de perigo iminente.

Os detalhes são impressionantes. A Fábrica de Doces está coberta por sujeira, com máquinas gotejando uma substância viscosa que parece ter vida própria. O Carnevale é colorido e barulhento, mas toda vez que parei para olhar, sentia que alguém me observava. A Necropolis é silenciosa, demasiadamente silenciosa. Areia cobre tudo, como um cemitério de brinquedos esquecidos. Low e Alone se movem como se estivessem sempre esperando o pior acontecer. Uma pausa antes de escalar, um olhar para trás antes de pular. São pequenos gestos, mas que adicionam uma energia nervosa, característica da série.

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O som também tem seu destaque. O barulho de tubos, o estalo do metal, risadas abafadas que vêm de lugar nenhum. Little Nightmares III prova que a atmosfera e o som conseguem assustar muito mais do que qualquer susto inesperado. É perceptível o quanto a série evoluiu. O mundo ainda é inquietante, mas não por causa de sustos baratos. O que realmente assusta aqui é a atmosfera e o mistério, e a Supermassive entendeu bem isso. Eles mantiveram o que funcionava nos dois primeiros jogos, enquanto adicionaram toques próprios.

A nova mecânica de cooperação muda completamente a dinâmica. Compartilhar a jornada com outra pessoa traz uma energia diferente. Quando dá certo, é ótimo. Resolver enigmas juntos ou escapar de uma situação tensa cria uma mistura de caos, diversão e estresse. Mas quando não funciona, o jogo pode se tornar um pouco cansativo. O movimento ainda é um pouco rígido em alguns momentos, e a IA não acompanha tão bem quando se joga sozinho. O combate também acaba sendo um ponto negativo, pois desacelera mais do que contribui para a experiência.

Little Nightmares III acerta. A estética, a atmosfera e a narrativa são exatamente o que eu esperava. Talvez não tenha o mesmo brilho que o primeiro jogo, mas isso não é necessariamente um problema. Parece uma continuação natural, um mundo ainda cheio de histórias para contar. A Supermassive não tentou reinventar o título do zero, e essa provavelmente foi a escolha certa. Eles entenderam a essência da série e deram espaço para ela continuar sendo estranha, sombria e inesquecível à sua maneira silenciosa.

Nota: 9/10

Little Nightmares III está disponível PlayStation 5 e 4, Xbox One, Xbox Series X|S, PC, Nintendo Switch e Switch 2.

*Análise realizada a partir de uma cópia do jogo enviada pela Bandai Namco.

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não remete necessariamente a posição do ANMTV*