Lançado em julho de 2012 pelo estúdio AIC, temos a adaptação da light novel de Romeo Tanaka: Jinrui Wa Suitai Shimashita (ou simplesmente Jintai, para encurtar). Com 12 episódios, o anime de comédia e fantasia se passa no distante futuro, quando a humanidade vem decaindo em números e uma nova espécie desponta como aquela que irá herdar a terra: as fadas.
Uma Comédia Satírica
Normalmente, nós, enquanto espectadores, tendemos a classificar as obras que vemos em uma meia dúzia de categorias fixas: aventura, ação, fantasia, comédia. Porém, eventualmente, podemos nos desaperceber das nuances que cada uma destas categorias traz em si, e nisso incorremos de jogar em um mesmo “balaio” obras que são bastante diferentes entre si.
Pensar Jintai como uma comédia não é exatamente errado, mas pensa-lo como uma comédia de mesmo tipo que animes como Kotoura-san, seria um erro. Isso por conta do tipo de comédia que é esse anime, satírica, um tipo de humor bastante distinto ao voltado apenas para o riso, que encontramos em muitos outros.

Divulgação
Para quem não sabe, a sátira é um gênero literário que vem desde a antiguidade romana, e na época ele era visto como um gênero político por excelência. Através do uso da ironia, sarcasmo, exagero, e por ai vai, o autor satírico tentava fazer um ponto sobre a política, moral ou a sociedade da época. Era comum, por exemplo, criar situações completamente absurdas, às quais os personagens reagiam com bastante naturalidade, como que não vendo o ridículo da situação, e nisso esperava-se que a própria plateia percebesse como agem com naturalidade perante os maiores absurdos.
A intenção, portanto, não está somente em fazer rir, mas em fazer pensar e refletir através do riso. E nisso, Jintai é excepcional. Com um humor ácido, cínico, que por vezes flerta com o humor negro, o anime expõe de forma brutalmente cômica aspectos da sociedade e da natureza humana que muitos de nós talvez nunca tenhamos parado para pensar a respeito.
A história
Jintai se passa no distante futuro, em um momento em que a humanidade enfrenta uma baixíssima natalidade. Ninguém sabe ao certo o que causou isso, mas o que vemos é que quando o anime começa restam poucos humanos no mundo. Por conta disso, a tecnologia também sofreu uma queda assustadora, e atualmente conseguir eletricidade pode ser complicado. São tempos difíceis, que as pessoas encaram como podem.
Mas neste mundo uma nova espécie parece prosperar. Pequenas criaturinhas, de apenas alguns centímetros de altura, que estão sempre sorrindo: as fadas.
Muitas vezes chamadas de “nova humanidade”, por serem a espécie que irá herdar o planeta quando os humanos se forem. Não deixem que a aparência fofinha e o jeito ingênuo destas fadas os engane: elas são altamente inteligentes, pelo menos quando se trata de tecnologia. Sendo capazes de criar maravilhas tecnológicas que desafiam as leis da natureza, não raras vezes as fadas causam toda sorte de problemas.
Não que sejam más, claro. Elas apenas se empolgam demais, digamos assim. Fadas são seres que vivem para a diversão, e estão constantemente buscando novos estímulos para lutar contra o tédio. Como tal, elas muitas vezes ficam obcecadas com alguma nova ideia, e a levam até as últimas consequências possíveis, por mais absurdas que estas sejam.
É por conta disso que temos a nossa protagonista: a mediadora entre os humanos e as fadas. Seu trabalho é garantir um bom convívio entre as duas espécies, e isso inclui desde investigar a tecnologia das fadas, para ter certeza de que é segura, até ajudar a realocar as fadas que por ventura precisem de um novo lugar para morar. E como seria de se esperar: sua posição faz ela se envolver em toda sorte de confusões envolvendo as fadas.
“Estranho” nem se quer começa a descrever esse anime. As situações nas quais a protagonista se vê enfiada rotineiramente ultrapassam a barreira do non sense, e este é um mundo onde o absurdo é a norma (como seria o esperado de uma sátira). E com uma estrutura de um novo arco a cada, mais ou menos, dois episódios, acaba que esse é um anime absurdamente imprevisível.
Os personagens
Uma coisa que o espectador percebe bem cedo é que quase nenhum personagem parece ter um nome. A protagonista é apenas “A Mediadora”, e outros seguem nessa linha. Temos o Avô, o Assistente, o Diretor das Nações Unidas… O mais perto que temos de alguém recorrente e com nome é a personagem Y, mas nunca nos é dito se esse é mesmo seu nome, se é um apelido, se é um encurtamento do seu nome verdadeiro, ou o que. Nem mesmo as fadas têm nomes, e isso depois até acaba sendo usado em um pequeno sub-plot da protagonista dando nomes a algumas fadas (e virando a deusa delas por isso).
Estranho? Sem dúvida, mas como tudo em Jintai isso não está ai por acaso. Cria-se uma identificação entre o mais basilar elemento da identidade individual de uma pessoa, o seu nome, com a sua posição dentro da sociedade, seja esta uma posição de trabalho ou familiar.
Mas não pensem que isso faz com que os personagens sejam algum tipo de estereótipo. Muito pelo contrário. Começando pela protagonista, sua personalidade cínica, sarcástica e que por vezes beira ao niilismo não apenas é incomum a outras personagens femininas nos animes, como a personagens em geral. De certa forma, ela é a personagem que reconhece o absurdo do mundo, mas opta por simplesmente seguir com ele. E nisso não é incomum que seus monólogos internos expressem justamente a visão que o espectador acaba tendo de certas situações.
Outro personagem que recebe bastante desenvolvimento é o Assistente, embora este seja um desenvolvimento completamente indireto. O Assistente recebe um mini-arco de dois episódios próprio, que conta como ele se tornou assistente da protagonista, e nesse arco ele praticamente nem aparece. Mas o tema que o anime aborda nessa parte torna o seu desenvolvimento tangível, com esse pequeno arco discutindo a própria questão da identidade humana, e como nós nos definimos enquanto indivíduos.
Alguns personagens de um arco só também recebem um bom desenvolvimento, e chamo especial atenção para Pion e Oyage, cujo tem possivelmente a cena mais emotiva e dramática do anime, que pode facilmente arrancar lágrimas de alguns espectadores. As amigas de escola da protagonista, que aparecem mais para o último arco, também recebem um bom desenvolvimento, mas falar demais aqui seria spoiler, então deixo para que cada um veja por si mesmo.

Divulgação.
Y e o Diretor das Nações Unidas são os que chegam mais perto de serem estereotipados. A primeira é uma fujoshi e profunda conhecedora de mangá, e seu arco nos traz ótimas críticas tanto aos fãs de mangás como à própria indústria, chamando atenção para questões que a maioria de nós possivelmente nunca parou para pensar. Já o diretor é basicamente um viciado em posições e cargos, sobretudo pelo prestigio social que ele acha que eles trazem.
O Avô é talvez o personagem menos desenvolvido em todo esse anime, ao ponto dele não poder ser considerado se quer um estereótipo. Nós sabemos um pouco de como ele era quando criança e sabemos que no presente ele gosta de colecionar armas, e de modo geral ele parece ter uma boa relação com a neta. Mas fora isso ele é mais aquela figura que envia a protagonista para cumprir alguma tarefa do que um personagem realmente presente.
Isso dito, são bons personagens, com personalidades interessantes e que quase sempre tem alguma ligação com a história e os temas que a obra tenta trazer. Ao mesmo tempo, eles nunca soam como pura ferramenta de roteiro, o que permite ao espectador se importar e gostar deles.
Considerações finais
Dizer que esse anime é “diferente de tudo o que você já viu” ainda não seria o bastante. Como comédia ele é ótimo, e seu vasto repertório de situações e piadas garante boas risadas a cada episódio. Como sátira ele é excepcional, muito bem apontando o ridículo e o absurdo na sociedade e nos seres humanos. Mas é também um anime que sabe quando ser sério, com bons momentos dramáticos, alguns dos quais angustiantes, e outros bastante tocantes.
Do ponto de vista técnico, a arte serve muito bem ao seu propósito irônico, sendo uma arte que remete aos livros infantis de contos de fadas enquanto a história trata de temas bastante complexos e sérios. A trilha sonora é por vezes usada no mesmo tom irônico, com inclusive uma cena de galinhas pulando de um penhasco ao som de ave-maria, mas na maioria dos casos você mal nota que ela está ali (mas faço aqui uma menção aos temas de abertura e encerramento, que são excelentes). A animação é competente, mas não é o foco: o anime abusa de cenas estáticas, mas que são muitíssimo bem utilizadas para enfatizar algumas piadas.
De modo geral, é um bom anime, com uma parte técnica competente, ótimos personagens, ótima comédia e um ótimo exemplo do que deve ser, de fato, uma sátira. Certamente uma obra que vale a pena dar uma olhada.
Notícias relacionadas
Não há notícias relacionadas.