Análise: Infinity Strash: Dragon Quest The Adventure of Dai – O retorno do pequeno guerreiro

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Desde que me conheço como fã de animação japonesa, posso considerar que poucos animes foram reapresentados de forma tão bem sucedida a toda uma nova geração como Dragon Quest: Dai no Daibouken o foi recentemente. Baseado em um mangá creditado a Riku Sanjo (roteiro) e Koji Inada (arte), a série que surgiu como um derivado da consolidada franquia de jogos Dragon Quest, da Square Enix, acabou se estabelecendo no Brasil de uma maneira pouco convencional em relação ao propósito que foi criada.

Conhecida no país pelo título de “Fly – O Pequeno Guerreiro”, a série marcou época em sua passagem pelas manhãs do SBT em meados da década de 90 ao ajudar a consolidar no imaginário popular nacional o encanto que os animes eram capazes de proporcionar com suas histórias repletas de batalhas épicas, magia e superação. No entanto, não se pode exatamente dizer se o anime produzido entre 1992 e 1993 impulsionou o público por esses lados a aderir às aventuras “RPGísticas” contidas no universo dos jogos de Dragon Quest, que era o propósito para o qual originalmente foi criado.

Por volta do mesmo período, a própria franquia Dragon Quest mal era conhecida no ocidente em geral, tendo seu primeiro jogo lançado nos Estados Unidos com o título de Dragon Warrior no ano de 1989 e permanecendo assim batizada até meados de 2005, o que nem de longe ajudava com que o público relacionasse o título da animação para TV com sua simpática e nostálgica abertura original brasileira aos jogos localizados para o idioma inglês.

Eis que após alguns anos, Dai recebe a chance de conquistar um novo público através de um novo anime após um sutil teste de reações em sua participação no criticado game de luta Jump Force. Além do anúncio de um novo anime, projetos como uma prequela em mangá mostrando o passado do personagem Avan como herói e dois jogos baseados justamente na nova versão animada das aventuras de Dai, Popp, Maam e sua turma foram anunciados, sendo esses um para plataformas mobile e outro, que é o que iremos abordar adiante, para PC e consoles.

Dito isso, perguntemos: Afinal, o que esperar de Infinity Strash: Dragon Quest? Será que você se empolgará em jogá-lo após ver o anime?? Ou será que o game é uma forma de aproveitar a história boa o suficiente mesmo para quem não teve como ver o anime ou ler o mangá original? É o que iremos conferir a seguir.

Um pouco de mago e muito de herói

Square Enix / Divulgação

Em uma decisão um tanto quanto estranha a princípio, o game começa mostrando o confronto de Dai contra um dos mais poderosos inimigos enfrentado pelo herói e inicialmente subordinado ao vilão principal da trama, embate esse que no anime mais recente só ocorre entre os episódios 24 e 25, com o seu desfecho sendo crucial para uma mecânica que será introduzida posteriormente no jogo: a de memórias.

Tais memórias são adquiridas no decorrer do jogo após se concretizar algumas das missões principais que recapitulam o percurso do aspirante a herói, e servem para aumentar atributos dos personagens que o jogador controla. Além das memórias, técnicas usadas pelos personagens poderão ser aperfeiçoadas através de ítens obtidos ao final de cada missão, mas somente após a aparição de um certo local no jogo chamado de Templo da Recordação, que permite não só ao jogador reviver batalhas enfrentadas ao longo do caminho como aprimorar magias e técnicas de combate do time de protagonistas.

Eventos que recontam a história da obra são revelados através de cutscenes estáticas do próprio anime com um filtro de sépia que dispõem de legendas e trazem também como opção ao jogador a possibilidade de ouvir diálogos com as vozes dos mesmos seiyuus que participaram do anime.

Apesar de tratar-se de um jogo baseado em uma obra que tem origem nos jogos conhecidos como JRPG, Infinity Strash não é um JRPG tradicional e sim um jogo que segue o estilo hack n’slash, lembrando mais clássicos do gênero como Devil May Cry, God Of War e Bayonetta do que a própria série Dragon Quest de onde se derivou. De aspecto de JRPG, foram conservados apenas os aumentos de atributos com base na subida de nível de personagens e o próprio universo com ares de fantasia medieval onde um grupo de heróis parte em jornadas ao redor dele para impedi-lo de ter seu destino ameaçado por um grande mal.

Voe por terras distantes para ser um herói de verdade

Square Enix / Divulgação

Na parte de jogabilidade, os botões direcionais digitais permitem com que item sejam usados durante as missões ou que você possa trocar o comando de algum de seus personagens enquanto botões de ombro permitem desde a defesa de golpes de adversários que ocasionam danos reduzidos aos pontos de vida até o uso de técnicas especiais chamadas de côup de grâce (literalmente “Golpe de Graça” em francês) que podem variar entre magias de maior potência de ataque, suporte curativo mais efetivo a todos os membros do grupo ou mesmo dar a personagens um buff que aumenta seus atributos de batalha temporariamente diante de oponentes.

Botões como círculo/A ou triângulo/Y permitem com que os personagens possam usar algumas de suas magias ou técnicas secundárias enquanto o botão X/A é usado para desviar da área de dano ou de ataques e o botão quadrado/X é utilizado para ataques comuns à distância ou próximos e os movimentos dos personagens no cenários são conduzidos pelo analógico esquerdo enquanto o direito move exclusivamente a câmera e ao ser apertado trava a mira do personagem que você está controlando em um dos rivais mais próximos.

Os inimigos principais a serem abatidos possuem acima de seus avatares um ícone em forma de escudo que vai reduzindo conforme recebem ataques e após tal esvaziamento, os mesmos ficam temporariamente atordoados de modo que os golpes passam a atingir diretamente a barra de HP/vida ao serem desferidos. Vale destacar que durante alguns embates, elementos do cenário podem ser usados a favor do jogador para conter os golpes e magias de adversários de grande porte, como pilares de estruturas. Alguns desses objetos que compõem parte do ambiente contudo podem ser destroçados durante as lutas fazendo com que em certos momentos não adiante mas simplesmente se esconder do rival e sim desviar e fazer uso dos recursos ofensivos, defensivos e curativos à sua disposição com sabedoria.

Cada missão é escolhida através de uma tela de mapa onde o jogador move um cursor para escolher entre missões principais, que seguem os eventos apresentados no anime de forma linear, e secundárias. Antes de iniciar a aventura, o jogador é levado a um menu onde pode escolher que atributos manter ou modificar entre os personagens que estarão participando da jogatina. Enquanto as missões principais limitam algumas possibilidades de acordo com o andamento onde o enredo se situa, as missões secundárias permitem ao jogador um pouco mais de liberdade, possibilitando que o mesmo possa customizar as roupas de personagens e montar sua equipe na ordem e da forma que quiser.

Infelizmente o fator exploração fica limitado a destruir objetos no cenário que possam proporcionar alguma recuperação de HP/Pontos de Vida ou o fornecimento de um ou outro item a mais nos espólios após a concretização da missão. Ao invés de MP/Pontos de Magia, as magias dos personagens são em sua maioria recarregadas por meio de cooldown, intervalos que duram alguns segundos e que são visíveis na forma de uma volta em sentido horário completa no ícone da magia que o deixam mais claro quando prontos para usar, ou a medida que se ataca ou defende golpes de adversários no mapa, levando também o jogador a querer sair quebrando tudo e todos no meio do caminho quase que usando um botão só, tal qual como muitos jogos que seguem o estilo hack’n slash.

Conforme divulgado pela própria Square Enix, cada personagem tem um estilo de jogabilidade único para o qual o jogador pode fazer algum bom uso, no entanto, a simplicidade geral dos combates não chega a impulsionar o jogador a ter que pensar em estratégias sofisticadas típicas de JRPGs para tentar vencer menores e principais adversários. A depender do empenho do jogador, a campanha pode durar entre 4 a 5 horas e meia de jogo sendo a última ameaça a ser enfrentada um inimigo que aparece entre os episódios 39 e 42 do novo anime.

A mágica da nostalgia é superefetiva o suficiente?

Square Enix / Divulgação

Apesar de chegar a ter o seu lançamento adiado visando o alcance de um maior padrão de qualidade, me vejo obrigado a admitir que Infinity Strash infelizmente falha de forma grosseira não só como um produto derivado de uma obra de sucesso como também em uma possível porta de entrada para aqueles que estejam se familiarizando com a franquia Dragon Quest.

O estilo de jogo adotado, embora pareça a princípio dinâmico, deixa a desejar tanto comparado a outros jogos exclusivamente hack n’ slash tradicionais quanto com outros jogos que mesclam a proposta com a de um típico JRPG, como a série Kingdom Hearts ou alguns dos mais recentes jogos da franquia Final Fantasy, por um acaso ambos produtos da mesma Square Enix. Depois de alguns minutos se familiarizando com as mecânicas e passando por algumas missões, não estranhe se chegar a achar que o ritmo está se tornando repetitivo e pouco atrativo até para engajá-lo naquele que seria um dos maiores trunfos de um jogo como esse, que seria justamente o enredo.

A escolha de usar cutscenes do próprio anime ao invés de fazer uso de animações usando os próprios modelos de personagens e gráficos tridimensionais do game (que até aparecem, mas poucas vezes) além de soar como “preguiçosa” ainda pareceu até uma ideia pensada para burlar a imposição de um prazo apertado de desenvolvimento aos encarregados, e deixou o produto final com uma cara de…mal acabado, o que me leva a me perguntar com o que o público que participou da testagem do jogo quando ele ainda estava em desenvolvimento teria dado de cara para fazer a equipe responsável pedir para rever o que estavam fazendo.

Curiosamente, o jogador pode facilmente driblar ou acelerar as cutscenes onde a história da série é contada (ou recontada) com o apertar de um botão indicado na tela, e mesmo sendo um grande fã do anime me vi pulando tais cenas sempre que podia após os momentos iniciais de jogo, pois pra piorar ainda mais não há a opção de localização de menus escritos ou sequer de colocar legendas em português para ler os diálogos contidos em tais cutscenes, o que só agrava a acessibilidade à história do jogo para aquele fã que quer simplesmente jogar pelo menos dando alguma atenção a isso.

Sem falar que não adianta muito poder “jogar o anime” quando nem ao menos o jogador pode ter acesso à história de forma integral caso escolha o jogo como mídia para consumi-la, o que é outro erro ridículo levando-se em conta que o jogo foi lançado há quase um ano depois que o anime terminou de ser exibido, pois passa a sensação de algo incompleto e que parece ter sido lançado inclusive fora do timing ideal.

    Veredito

Square Enix / Divulgação

O pequeno guerreiro que marcou a infância de tantos brasileiros merecia sem dúvida algo muito melhor, não só por ser também um dos mangás que historicamente já esteve entre os mais populares da Shonen Jump durante seu período de publicação como também por levar em seu título uma marca tão importante e grandiosa para a história dos videogames em terras nipônicas através de outras mídias.

Se você tiver interesse em conhecer de fato a franquia Dragon Quest através de sua mídia de origem, o que posso indicar é que dê preferência ao 11º jogo da série principal, que teve sua versão “definitiva” lançada há poucos anos para PC e consoles atuais melhorando tudo aquilo que o mesmo entregou em seu período de lançamento.

Ir direto ao 8º jogo da franquia, lançado originalmente para Playstation 2 e que recebeu um port para plataformas mobile algum tempo após ter passado pelo 3DS, pode ser também uma alternativa razoável.

Já se você apenas curte as aventuras de Dai e seus amigos, opte por assistir ao anime mesmo, que está completo legendado em português na Crunchyroll e aguarde que o produto aqui analisado esteja sendo vendido a um preço promocional nas lojas virtuais, adquirindo-o para uma experiência um pouco mais satisfatória sem lá grandes expectativas.

Infinity Strash – Dragon Quest: The Adventure of Dai está disponível para as plataformas Playstation 4, Playstation 5, Xbox Series S/X e PC (via Steam).

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não remete necessariamente a posição do ANMTV*