Análise: Earthion – Entre o simples que faz diferença e o genérico esquecível

Reprodução.

A nona (e atual) geração de consoles em vigor, enquanto esse texto é escrito, tem passado por um momento um tanto quanto crítico em comparação a outros já presenciados na história dos videogames, ao menos no segmento conhecido como AAA, nada que já não vinha ocorrendo também nas duas anteriores, mas que tem se intensificado como nunca no presente momento e talvez até às últimas consequências.

As produções de jogos de inúmeras grandes franquias consolidadas tem ganhado planejamentos e estruturas cada vez mais megalomaníacas, que estão precisando se pagar sobretudo no preço do produto que chega ao consumidor final, de modo que prejuízos nas vendas e na satisfação desses consumidores não são mais uma opção, e podem até mesmo custar empregos ou a saúde financeira do estúdio ou da publisher responsável.

Para se ter uma noção do quanto o cenário está caótico, a crítica especializada e uma parcela do público cada vez mais clama por evolução e inovação, enquanto a outra quer ao máximo que IPs mantenham o estilo que as consagrou e que as tornaram marcantes para jogadores que tiveram seu primeiro contato com elas em um certo período de suas vidas, o que tem levado desenvolvedores e seus times criativos a “quebrarem a cabeça” para conseguir acertarem de fato a preferência dos jogadores, sem ficar sempre jogando “no seguro” e deixando de aprimorar suas marcas de sucesso às tendências que cada tempo exige.

Entretanto, em meio a tanta dificuldade para conciliar inovação na experiência e fidelidade à essência por parte de grandes softhouses, como Capcom e Konami, em paralelo, times de pequenos desenvolvedores tem surgido e se esforçado intrepidamente para trazer ao cenário produções que se por um lado não levam o título de sequências de grandes jogos que os inspiraram, ao menos conseguem se destacar como “sucessores espirituais” de franquias abandonadas ou mal administradas pelas empresas às quais pertencem, muitas vezes trazendo consigo uma simplicidade pura e honesta surpreendentemente cativante, mas que também pode flertar com estereótipos genéricos, que logo afundam tais iniciativas nas profundezas sem fundo do ostracismo.

E onde Earthion se encaixa em toda essa história? Seria a incursão do compositor Yuzo Koshiro (Streets of Rage) e seu estúdio, Ancient Games, uma revigorante celebração a tempos em que jogos eram mais simples e direto ao ponto ou uma tentativa de se diferenciar pela simplicidade que no fim só torna este jogo mais um daqueles que você logo esquece após zerá-lo em uma tarde qualquer de fim de semana? Siga adiante lendo para descobrir do que realmente se trata esse projeto.

NAVINHA” À MODA ANTIGA

Ancient Games / Bitwave Games / Limited Run Games / Divulgação

A proposta de Earthion não consiste em nada de muito mirabolante ou diferente do que talvez jogadores de videogames mais antigos já tenham visto.

Em seu enredo, alienígenas que vinha escondendo sua base de operações espacial atrás da Lua finalmente revelam a sua presença e intenções à humanidade, reivindicando para si a dominação da Terra, ou pelo menos o que restou dela, logo após boa parte de seus recursos se esgotar, o que levou a maior parte dos seres humanos a fazerem migrações interplanetárias, principalmente para planetas próximos, como Marte. Agora, resta à pesquisadora ambiental Azusa Takanashi, entrar à bordo da nave de combate YK-IIA para defender os humanos que ainda habitam o planeta ao lado dos demais representantes do exército terráqueo da ameaça iminente das forças hostis invasoras.

Ancient Games / Bitwave Games / Limited Run Games / Divulgação

Contendo 8 fases a serem aventuradas, a jogabilidade consiste no estilo de shoot ‘em up (ou shmup) de rolagem lateral horizontal automática da esquerda para a direita, inaugurado pelo jogo Defender de 1981 e posteriormente consagrado por títulos que deram origem a franquias célebres do gênero como Gradius e R-Type, Earthion demonstra inspiração nesses dois últimos ao trazer em sua experiência a possibilidade de mudar a forma como atira projéteis em inimigos na tela ao se pegar itens que flutuam no ar e na dificuldade desafiadora, mas traz também alguns pequenos elementos que dão ao jogo certa identidade própria em comparação àqueles que o inspirou.

Uma dessas características únicas é a possibilidade de aumento de slots de upgrade após cada final de fase. No entanto, para que o jogador tenha acesso a isso, uma condição precisa ser obedecida: Pegar um item específico que aparece em um determinado momento durante o tiroteio com naves e robôs adversários e mantê-lo com você até derrotar o chefe de cada fase.

Ao começar o jogo, sua nave começa com duas barras de escudo e duas opções de tiro que podem ser executadas individualmente ou executadas juntas a depender dos botões pressionados. Com o aperfeiçoamento da nave à medida que se progride na jogatina, é possível aumentar a resistência da espaçonave para até 5 barras de escudo ou manter até 3 opções de projéteis a serem disparados a depender da sua escolha após cada desfecho de nível.

Uma outra curiosa diferença aqui é a função da opção Password que pode ser vista para ser acessada já na tela de título. Aqui ela não teria a função de levar o jogador a um dos 8 níveis do jogo, e sim permitir que ao colocar o código na tela, o jogador possa ter acesso ao conjunto de escudos e armas que acumulou na última vez em que acessou o jogo, uma vez que ele não dispõe de salvamento automático ou manual.

Apesar da dificuldade relativamente elevada como um artifício para prolongar a gameplay, é possível também alternar a dificuldade do jogo entre o modo fácil até o modo “fera” (dificuldade mais extrema), para aqueles que desejam o máximo de desafio. Entre outras opções extras, o jogador pode também modificar os controles e o filtro padrão de tela, retirando ou modificando as barras laterais que ajudam a emular o efeito “TV de tubo” e até ter acesso e jogar algumas das versões beta do jogo.

EMBARCANDO EM UMA VIAGEM NO TEMPO

Ancient Games / Bitwave Games / Limited Run Games / Divulgação

Uma coisa que é perceptível logo nos primeiros minutos em que abrimos o jogo, é o quanto tudo em Earthion é milimetricamente pensado para transportar o jogador instantaneamente para a década de 90, mais especificamente ao momento em que este ligava o seu Mega Drive para curtir talvez o melhor do que o antigo 16 bits da Sega poderia oferecer.

Do primeiro logotipo apresentado (com uma vinheta idêntica a uma das mais usadas pela Sega em games do console, diga-se de passagem) até o filtro padronizado que remete a uma antiga TV de tubo, dos gráficos em sprites e efeitos sonoros até a tela de título com a já obsoleta (mas nostálgica) opção de Password, tudo simplesmente transborda “anos 90” para o deleite de quem definitivamente deseja uma experiência retrô imersiva, e não, a impressão que o jogo deseja transmitir não é desse jeito por mero acaso ou por pura e simples inspiração artística.

Um dos planos das companhias envolvidas com a produção de Earthion, foi justamente o lançamento de um port em cartucho para o Mega Drive para o ano de 2026, e por isso, apesar da Ancient Games e da Bitwave Games fazerem um bom uso da tecnologia atual para trazer ao jogo algumas transições que talvez não seriam possíveis na época em que gráficos 16 bits eram a regra e não uma estética opcional com apelo saudosista, muito do que vemos ao jogar o game foi elaborado de maneira que o melhor fosse extraído com recursos limitados que permitissem com que posteriormente o jogo fosse transposto para a mídia do antigo console de mesa noventista.

Embora o Super Nintendo também conte com alguns bons jogos do estilo, o apelo daqueles que foram lançados apenas para o Mega Drive, como Thunder Force IV e Darius II, parecem ter sido o que destacou o videogame da Sega em especial como o maior reduto do gênero no período e também como o principal homenageado pela equipe de desenvolvimento de Earthion, o que, obviamente, não impede que jogadores possam olhar para o jogo que está à sua frente e também lembrarem de suas experiências com o console da Nintendo, uma vez que o estilo gráfico de ambas as plataformas é bastante parecido.

VEREDITO

Ancient Games / Bitwave Games / Limited Run Games / Divulgação

Se você é um entusiasta dos bons e velhos jogos de “navinha” e do trabalho de Yuzo Koshiro, certamente irá se divertir bastante jogando Earthion, pois o game tem tudo que um fã de jogos retrô/”raiz” gosta, mostrando claramente que fazer um trabalho bem feito mesmo com uma fórmula simples e talvez até já datada para muitos, não necessariamente quer dizer que o resultado geral será algo meramente mediano ou medíocre.

Contudo, em tempos onde jogos tem cada vez mais seu valor real medido pela imersão na história ou pelo tempo que seguram o jogador em frente à tela para que este usufrua do máximo de seus recursos, Earthion pode talvez não pontuar a níveis tão satisfatórios comparado a outros jogos modernos, mesmo de estilo retrô, uma vez que a depender do desempenho de quem estiver jogando, o game pode ter sua campanha finalizada em até menos de 1 hora e logo ser chutado para escanteio em meio a outras opções que podem ser vasculhadas na biblioteca de jogadores com catálogo farto à disposição e algum tempo considerável de sobra.

Mas mesmo apesar disso, pode-se dizer que embora não pareça muito, é sem dúvida alguma um trabalho honesto.

Nota 8/10

Earthion está disponível para PlayStation 5 e 4, Xbox Series S/X, Nintendo Switch e PC (via Steam). A versão do jogo para Mega Drive será lançada em alguma data ainda a ser anunciada em 2026.

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não remete necessariamente a posição do ANMTV*