Análise | Digimon Ghost Game | Anime é o terror de sua própria franquia

Toei Animation/ Divulgação

Após o caótico final da saga Adventure na serie Digimon Adventure tri e no filme Last Evolution Kizuna, seguido de um imediato e agridoce reboot (Digimon Adventure 2020), as impressões para o futuro da próxima aposta da franquia Digimon nos animes, não pareciam tão otimista assim. No entanto, o conceito de uma abordagem mais voltada para o horror, tendo o seu lançamento organizado inclusive para o período do halloween, fez Digimon Ghost Game parecer algo que de fato pudesse nos levar a um respiro depois de tantas produções que só deixaram a desejar. Todavia, não demorou para que a sombra do fracasso de suas temporadas predecessoras rondasse o imaginário dos fãs que viram a franquia crescer a olhos nus a partir de histórias incríveis, que inclusive tinham muitos elementos aterrorizantes em si. Acreditar em ghost game seria difícil, mas não necessariamente impossível. O resultado disso? Que o tempo realmente nos torna mais sábios e calejados para o desastre.

A sinopse do projeto nos monstra uma história onde somos apresentados a um garoto, Hiro Amanokawa, que descobre um dispositivo semelhante a um relógio deixado por seu pai, um cientista envolvido em uma pesquisa tecnológica misteriosa, e que subitamente desaparece. O garoto, junto de seus dois amigos, tem as vidas transformadas quando conhecem o digimon Gammamon e seus companheiros digitais.

TOEI Animation/ Divulgação

Apesar da animação de qualidade exercida pela equipe com cerca de 10 animadores, que fazem momentos como os de batalha, principalmente, brilharem e serem uma das poucas coisas que se salvam na produção como um todo, ghost game parece simplesmente não saber a que veio e tenta, episódio a episódio, encontrar o tom certo e nos convencer que sua história é boa, seja para um susto ou para uma risada. Spoiler Alert: ela não é. O anime apresenta um trio de protagonista com perfis rasos e por vezes irritantes, sem muito entrosamento entre si e aonde suas interações, na maioria das vezes, só acontecem quando uma situação problema força os três a se encontrarem para resolve-la. Nada ali é orgânico, nada é complementar, as relações são da profundidade de um pires, ao mesmo tempo que tudo é muito maçante. As digievoluções, que outrora foram uma marca das temporadas, aqui, são tediosas e apáticas. Quanto aos parceiros digimons, estes ao menos conseguem se mostrar companheiros que complementam suas respectivas crianças e de personalidades bem mais vivas.

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Já o roteiro do anime é mais assustador do que qualquer uma das “assombrações” que surgem ao longo dos episódios, não porque ele seja eficiente em construir o medo no espectador, mas sim por conseguir a proeza de não empolgar em quase nada que se propõe, talvez por contar com uma equipe de roteirista, diretores e criadores de storyboard com experiência massiva em outros gêneros que o principal. O que mais vemos, é um completo desastre e afronta a alguém que deseje gastar mais de 20 minutos da vida em um episódio do anime esperando ser envolvido por sua trama. São furos de roteiro a torto e a direita, conceitos de alma, tangibilidade e invisibilidade mal explicados e que parecem ser ignorados na primeira curva para facilitar uma resolução do próprio roteiro. A série simplesmente não sabe se quer ser cruel ou não, se tem coragem de matar personagens ou deixa-los vivos, se seus vilões são de todo maléficos e pagarão justamente pelo alto números de maldades ou se são apenas seres incompreendidos que se safam apenas com uma advertência, ou se há mesmo um vilão principal orquestrando tudo. Ghost game sequer sabe se deseja ser um anime procedural, com o clássico formato de “caso da semana” ou se dá progressão a sua narrativa principal, que mais parece algo secundário aonde só as vezes costuma ser lembrada por seus roteiristas e resolvida às presas para fechar o prazo de entrega.

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São poucos os pontos que fazem o anime em questão não ser uma perda de tempo total, que nos dão um ligeiro vislumbre do que a produção poderia ser e como nos encantaria se sua narrativa fosse melhor conduzida. Dentre todas as propostas apresentadas, a mais empolgante seria, de longe, a ideia de intercambio entre parceiros digimon e crianças escolhidas entre si, conforme visto no episódio 17 (Inferno Gelado). Há também, múltiplas referências a clássicos da literatura do horror como Uzumaki de Junji Ito (episódio 40), Dagon e O Chamado de Cthulhu de H.P Lovecraft (episódio 64) e Drácula de Bram Stoker (episódio 64 e 25). Ademais isso, outros episódios como os 19 (A hora da bruxa), 26 (Mansão canibal), 34 (Rastejador de paredes), 55 (Bakeneko) e 61 (Ressureição) que conseguem minimamente casar sua boa animação aos roteiros que, entre trancos e barrancos, nos despertam um leve assombro e empolgação, tal qual o quarto encerramento do anime (Monster Disco de Shikao Suga e Hyadain). Mas abrindo para uma ampla perspectiva, tudo isso são ligeiros flashes de um potencial pouco aproveitado, que resulta em uma obra que nos confunde e aborrece enquanto adultos e entedia qualquer criança grandinha.

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No final das contas, depois de todo o seu desempenho, Digimon ghost game de fato conseguiu evocar uma escuridão para si. Mas como todo humano tolo que tenta produzir um ritual para controlar uma entidade das trevas, tudo o que o anime e sua equipe receberam, foi um pagamento maldito com as sombras de todas as produções anteriores sob si ao invés de ter a sua própria.

Digimon ghost game está disponível no serviço de streaming Crunchyroll, com legendas em português.