
Devil May Cry (DMC) foi provavelmente a franquia de jogos que mais influenciou em minha vida, e como um bom fã do protagonista Dante, me diverti por muitos anos com o controle do personagem nos games enquanto aplicava golpes de espada, tiros e stingers em tudo quanto é “capetinha” metido a besta até eles pedirem arrego (ou chorarem, com o perdão da autorreferência besta).
Meu primeiro contato com a série de jogos da Capcom foi através de Devil May Cry 3: Dante’s Awakening e só depois passei para o primeiro jogo, mal encostando no segundo por motivos que hoje já são praticamente uma unanimidade entre fãs de longa data, e ao longo de meu período mais sedento por consumir conteúdos relacionados às peripécias de Dante deitando demônios na porrada, uma mídia em específica chamou minha atenção: o anime de DMC.

Assim que soube da existência dessa produção, corri para assistir e vi tudo em uma semana, o reassistindo algumas vezes ao longo da minha vida, e bem, apesar do tal anime não ser em si nada muito espetacular, eu diria que ele tem sim seus bons momentos e também bons personagens, além de uma ótima trilha sonora, com destaque para a música Future In My Hands.
Eis que os anos vão passando e depois de um trauma coletivo no fandom com o frustrante reboot produzido pela Ninja Theory em 2013 (com direito a ameaças ao diretor), DMC renasce de vez através do quinto jogo.
Mas algo bom ainda estava por vir, quando em 2024 a Netflix revelou que o produtor Adi Shankar (Castlevania) estava trabalhando em uma nova série animada, que viria como uma “adaptação livre” da história que conhecíamos.
Porém… infelizmente o que pude perceber conferindo a nova série animada por conta própria, é que pode ser que algumas pessoas por aí confundam liberdade com “meter o louco”, mas o que exatamente me incomodou tanto em tudo isso? Dá pra curtir ela mesmo apesar disso? Siga adiante para compreender o que lhe espera caso dê uma chance.
O COMEÇO ATÉ EMPOLGA, MAS…

O primeiro dos 8 episódios começa em um ritmo muito bom, onde somos apresentados àquele que atuará como o principal vilão da temporada: o Coelho Branco, que originalmente apareceu em um dos mangás de Devil May Cry e teve uma história remodelada para essa versão.
A sua nova motivação para agir traz pontos interessantes e até um frescor para os antagonistas que perpassam a saga de Dante, uma vez que com exceção de Vergil, todos eram um tanto quanto unidimensionais em suas camadas.
Em uma cena posterior logo somos apresentados (ou reapresentados) ao protagonista Dante, trabalhando em mais um dos casos que se dispõe a resolver envolvendo incidentes sobrenaturais, e demostrando todo o seu carisma com um estilo irreverente de lidar com criaturas que se em uma narrativa de terror, certamente dariam pesadelos a alguns, aqui servem basicamente para o herói mostrar o que DMC tem de melhor: boas sequências de ação que demonstram o potencial combativo dele (e que nos jogos fazem VOCÊ sentir-se poderoso, mesmo diante de cenários onde está cercado por inúmeros inimigos).
DAQUI PARA FRENTE… É SÓ PARA TRÁS

No entanto, é a partir do segundo episódio que os problemas de narrativa começam a ficar mais aparentes. É revelado que o Coelho Branco deseja abrir os portões do mundo demoníaco para algo que será revelado mais adiante, e o vice-presidente americano, Baines, que está de olho em demônios há algum tempo, descobriu que as portas para tal dimensão podem ser abertas fazendo-se uso do amuleto de Dante e Vergil, tal qual como nos jogos e da Force Edge, espada original usada pelo pai dos dois, Sparda, o lendário cavaleiro negro que selou os portões do que seria o inferno, encerrando a livre passagem entre humanos e demônios ao se rebelar contra Mundus.
Só que ainda nesse mesmo episódio, somos apresentados a Lady e à DarkCom, uma organização militar de caçadores de demônios original dessa série, e é aqui que aparece o maior problema da trama dessa animação.
Em sua primeira primeira aparição no jogo DMC 3, Mary Arkham, a famosa “Lady”, aparece como uma personagem raivosa, traumatizada e vingativa, que conforme a narrativa se desenvolve mostra seu lado mais humano e vulnerável, onde muitas vezes Dante a derrubava por ela nunca estar com a cabeça no lugar onde devia estar, tornando-se ao fim da aventura alguém mais tranquila e até mesmo amável, compreendendo Dante.

Porém, essa Lady começa a ganhar um protagonismo excessivo que vai do episódio 2 até o 5 com Dante aparecendo cada vez menos, e conforme os capítulos vão avançando, cada vez mais se distancia daquela que vemos nos jogos, sendo na verdade a Lady dos “fetiches” de Adi Shankar, uma personagem que a cada 10 palavras ditas 11 são palavrões e que paga de “fodona” mas que não passa de uma mera cadela a serviço de um exército.
O carisma da personagem foi completamente sequestrado não só por um roteiro com desenvolvimento mequetrefe como também pela velha tática predatória da Netflix de bait and switch, propagar que a série teria foco no Dante, mas depois sumir com ele e focar em alguma personagem feminina que começa a ganhar um destaque maior que o normal na trama, algo que fãs de Scott Pilgrim e Mestres do Universo talvez devam conhecer.
Não diria que essa “liberdade criativa” tomada por Shankar e sua equipe chegou a ser de toda ruim ao se analisar as motivações de personagens como o Coelho Branco, tomando como exemplo. Ao serem reveladas as suas motivações para agir, descobrimos que ele era um ser humano que foi para o mundo dos demônios ainda criança e que durante sua vida lutou para refugiar seres demoníacos menores para fugir de um local por si só inóspito e brutal, mas que no fim foi obrigado a ver aqueles com quem se importava serem mortos impiedosamente pela DarkCom e surtar após o ocorrido.
O problema é que se por um lado foi nos dado um vilão interessante e com camadas, enfiaram na série uma mensagem política que em qualquer outra mídia da franquia simplesmente nunca existiu.
Se você perguntar diretamente a mim ou a qualquer fã de longa data de DMC sobre o que é o tema dos jogos, alguns lhe dirão que é sobre traumas e a necessidade de seguir em frente com a vida, outros dirão que é sobre buscar sua “luz” interior mas que há nela também uma crítica à humanidade, ao se mostrar que existiriam humanos quase tão malignos quanto os próprios demônios.
A questão é que em nenhum momento as produções da franquia se propuseram a direcionar suas críticas a um país inteiro, como os Estados Unidos e seu sistema governamental, principalmente de um jeito tão óbvio, onde os americanos “malvadões” querem fuzilar refugiados e imigrantes por fuzilar. E o que dizer então de momentos verdadeiramente constrangedores, como Dante sendo humilhado por uma arminha de choque e uma seringa?

Quando ao final foi executada a música American Idiot, da banda Green Day, depois de tudo que eu tinha acabado de ver, eu já não sabia mais se a primeira frase da música foi dirigida ao imperialismo americano criticado na série ou ao fandom americano que já estaria pronto para apedrejar mais uma adaptação com execução tão ruim depois de ler as primeiras críticas.
DIVERSÃO “DESCEREBRADA”
Em relação a aspectos técnicos, posso dizer que ainda há sim boas cenas de ação, uma trilha sonora até bem selecionada e um ou outro personagem secundário razoável, mesmo que tudo isso vá por água abaixo em razão da falha no elemento principal que seria justamente o roteiro.

A nível de curiosidade, no elenco de vozes original, quem empresta a sua voz para Dante é o ator Johnny Yong Bosch, conhecido (ou lembrado) por alguns por seu papel como Adam, o Ranger Preto que substituiu Zack em Mighty Morphin Power Rangers, uma escolha um tanto quanto… bizarra, já que o mesmo profissional havia feito outro personagem da franquia, o Nero.
É como se tivessem colocado o dublador do Hiei para dar voz ao Yusuke Urameshi, simplesmente por o cara fazer bem o seu trabalho, mas quanto a isso eu até que não tive problema, já que optei por assistir com a dublagem brasileira, e o dublador João Capelli (Draco Malfoy nos filmes da franquia Harry Potter) trouxe uma interpretação que ficou bem encaixada pra uma versão do Dante mais jovem e rebelde.
Por fim, o que eu diria é que essa animação só vai ser bem aproveitada se você simplesmente “desligar o cérebro” e aproveitar parte do espetáculo visual esquecendo que aquilo é Devil May Cry em sua essência, pois não passa de só mais uma das experimentações malucas de Adi Shankar ao realizar uma adaptação de games para as telas do streaming, onde ele mais uma vez parece querer se prontificar a aplicar a metodologia progressista de contar uma história do que a entregar o que os fãs realmente queriam ver.
Devil May Cry está disponível para ser assistido na Netflix desde o último dia 3 de abril com as opções de dublagem em português e áudio original e legendas.
Autor: Cézar Augusto Teles Passos
*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não remete necessariamente a posição do ANMTV*