Análise | Demon Slayer | 3ª Temporada escorrega para brilhar no fim

Shueisha / Ufotable / Divulgação

Ao longo de suas duas temporadas, Demon Slayer (Kimetsu No Yaiba) acabou se consolidando como um dos animes de maior sucesso da atualidade, tanto pela história minimamente interessante, quanto pela animação bem executada e uma estética um tanto quanto particular.

Todos esses pontos foram mais do que capazes de cativar e florescer no coração de muitos fãs logo em sua primeira temporada. Mas agora, já em seu terceiro ano e com um filme (Demon Slayer – Mugen Train: O Filme) na conta, o anime encerra o seu atual arco “Vila dos Ferreiros” e com isso levanta o questionamento em muitos espectadores: Essa foi realmente uma temporada boa ou Demon Salyer já perdeu a mão de como entregar um trabalho de qualidade?

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Um Retorno Grandioso

Lançar um novo trabalho tendo seu antecessor como uma referência de verdadeiro sucesso pela maioria do público que o consome, é definitivamente uma tarefa hercúlea para qualquer artista ou equipe. Com isso em mente, a escolha da produção em começar esta terceira temporada precisamente no mesmo momento em que encerrou-se o ultimo arco (Distrito do Entretenimento) e não com um salto temporal de horas ou dias após os acontecimentos — como eventualmente ocorre em inícios de temporadas — revelou-se uma decisão certeira da equipe.

Isso porque, a escolha de retomar a história do momento de clímax final em diante, acaba resgatando toda a grandiosidade presente da trilha sonora e o poder de emocionar que ela pôde exercer sob o espectador naquele desfecho, e que agora, também exerce a função de preparar o público para as cenas que viriam a seguir, além de introduzir a nova aventura da serie.

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O Poder De Uma Boa Técnica

E dando seguimento aos acontecimentos após o fim da batalha vista na segunda temporada, logo podemos notar que o anime não irá medir esforços visuais em apresentar um trabalho exuberante. Toda a sequência ambientada no castelo infinito, desde a primeira lanterna acesa ao último acorde de Nakime, é um excelente trabalho conjunto do estúdio Unfotable, que tendo Akira Matsushima como responsável pela direção de animação e design de personagens; Haruo Sotozaki, como diretor geral; Kouji Etou, na direção de arte; e edição de Manabu Kamino, não perde tempo e apresenta uma das melhores ambientações e explorações da mesma de todos os tempos em uma serie de anime.

São movimentos de câmera que além de mostrar as locações, deixam diálogos mais tensos, ações mais enfáticas e que quando casados a uma computação gráfica bem desenvolvida, uma animação fluida e uma trilha sonora que mais uma vez mostra o seu valor, terminam compondo uma primeira parte tensa, envolvente e bem contrastante da parte que a sucede, aonde vemos algo muito mais leve e cômico, com destaques mais visíveis em ambientações como a de apresentação da vila dos ferreiros. Quase com se toda a experiência fosses como um emocionante banquete finalizado com uma doce sobremesa.

Shueisha / Ufotable / Reprodução.

Já em seu último episódio, notamos a preocupação por parte da direção em apresentar com extrema qualidade a dramaticidade proposta durante os seus pouco mais de 50 minutos. Aqui, toda a qualidade em movimentação de câmeras e apresentações de outras perspectivas de uma cena, são complementadas por uma batalha noturna a luz da lua com chamas mas que logo abre espaço para uma iluminação diurna proposta pelo ambiente aberto da cena final.

É aqui também aonde vemos um extremo cuidado direcional e fotográfico, tanto em fazer com que esses múltiplos elementos se complementem de uma maneira harmoniosa quanto para fazer com que o trabalho como um todo possa se relacionar com o próprio título do episódio de forma justa e poética.

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A Terceira Temporada

Mas nem só de um ótimo primeiro e último episódio duplo vive uma temporada. Demon Slayer precisou manter seus padrões altos durante os episódios que se seguiram e apesar de vários acertos, algumas escolhas podem ter deixado a desejar durante o acompanhamento da trama.

Seu tema de abertura, por exemplo, a intitulada Kizuna No Kiseki parceria entre a cantora Milet e o grupo MAN WITH A MISSION, além de não empolgar em nada, dá para a animação bem desenvolvida, uma sensação que todo diretor responsável pelo trabalho tenta evitar ao máximo: a de que o produto é só mais um anime genérico de lutinha —nesse caso, um de lutinha com espadas — o tornando assim um trabalho bem menos empolgante enquanto resultado conjunto. Principalmente se comparado com a produção de abertura realizada para a temporada anterior.

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Já no que diz respeito aos episódios em geral, o anime conta com uma montagem que apresenta altos e baixos em sua construção, intercala entre cenas muito bem dirigidas de batalha e drama – sobretudo em seus últimos episódios – e um uso irregular de momentos cômicos e flashbacks anticlimáticos, deixando assim alguns dos instantes mais aflitivos da temporada — como os confrontos de Tokitou e Mitsuri — com um aspecto trincado ou mal aproveitado em seus respectivos desenvolvimentos.

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No entanto, Demon Slayer consegue ser potente em muitos outros aspectos, apesar das escorregadas. A temporada apresenta momentos como as batalhas de Tanjirou, aonde é impossível desviar os olhos devido a excelente forma como fora dirigida suas cenas, movimentações de personagens, coreografias de luta e efeitos especiais.

O confronto de Mitsuri também é outro destaque positivo tanto pelos mesmos motivos da luta de Tanjirou, quanto por ainda contar com uma sonoplastia que destaca a personalidade da jovem guerreira. São detalhes que vão desde um singelo efeito sonoro para o corte de sua espada até uma grandiosa rearmonização do tema de encerramento só para encaixar em sua investida de forma graciosa.

E por falar nele, o encerramento com o tema intitulado Koi Kogare, da mesma colaboração da abertura do anime, se mostrou um dos grande presentes deste ano, conseguindo harmonizar tranquilamente a música com a animação e entregar, assim, uma dramaticidade em cenas de câmera lenta.

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Ademais, é possível notar que o anime não se conteve em usar e abusar de cenas mais gore para chocar seu público — e por que não potencializar os acontecimentos da história?. Foram dilacerações e cortes brutais em vários momentos que mesmo em diferentes paletas de cores, ainda assim garantiam um aspecto brutal. Da mesma forma, sua abordagem com algumas cenas um pouco mais sensuais também foi algo que muitos fãs puderam observar e constatar que a produção – felizmente – não estava preocupada em se limitar a apresentar.

O que além de ser uma alegria para quem gosta de tal abordagem mais ousada e violenta, é também uma atitude de admirável respeito com a obra original e seu público, uma vez que Demon Slayer nunca se intitulou como um projeto direcionado para crianças, e logo, não teria porque apresentar um trabalho mais ameno, para um público adulto que o acompanha durante anos.

Em verdade, falando muito brevemente de sua obra original — já que o intuito desse artigo é analisar unicamente a animação — nesta temporada vemos um excepcional trabalho de adaptação e complementação do material original, agregando em background de personagens, melhores tempos de comédia e refinamento de cenas de ação.

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Finalmente

Por fim, é bem verdade que Kimetsu no Yaiba possa apresentar um peixe estranho em 3D a primeira vista ou pecar, vez ou outra, em certas construções de personagens e seus respectivos times de comédia e ação. Mas diria também que são erros que talvez dêem a obra esse aspecto um pouco mais natural dentro de tanta imperfeição.

Afinal, como detectar e apreciar um ótimo confronto quando você não tem base em um outro mais fraco para contrastar e te deixar com mais ânsia de algo bom? Como amar uma personagem tão carismática, se todo o elenco for igual a ela e não tiver alguém mais blasé para contrapor tanta luz? De um modo geral, não acho que esta seja a melhor das temporadas de Demon Slayer, mas será, visivelmente, uma pérola que fica pelo caminho e que será impossível de ser esquecida depois de avistada.

Todas as temporadas Demon Slayer, bem como o seu filme, estão disponíveis no Brasil com legendas e áudios em português na plataforma de streaming Crunchyroll. A primeira temporada também pode ser assistida na Netflix.