Análise: Best Served Cold | Mistérios tão envolventes quanto irritantes

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Ambientado em 1927, na fictícia cidade de Bukovie — um espelho distorcido da Europa entre guerras — Best Served Cold insere-se no gênero de simuladores de bar com uma proposta intrigante: um speakeasy escondido no porão de uma livraria serve como palco de investigações criminais, enquanto a sociedade desmorona ao redor. A premissa, embora já explorada em jogos como The Red Strings Club e Tavern Talk, ganha aqui um contorno mais denso, tanto pelo cenário quanto pelas escolhas morais e sociais envolvidas.

O enredo gira em torno do assassinato de uma jovem considerada apóstata, ocorrido em um bar próximo. Em vez de fechar o estabelecimento ilegal, um policial decide transformá-lo em uma base de investigação não oficial, recrutando o próprio barman como uma espécie de assistente informal. A partir daí, os jogadores devem interagir com uma gama diversa de personagens — aristocratas decadentes, trabalhadoras honestas, religiosos em crise e criminosos de carreira —, todos potencialmente envolvidos no crime.

Rogueside / Divulgação

O ponto alto do jogo está em sua escrita. Os personagens são retratados com um grau incomum de nuance para o gênero, demonstrando desenvolvimento emocional realista ao longo dos casos. A narrativa evita a estagnação emocional: pessoas enlutadas não permanecem congeladas em dor; ao contrário, amadurecem e ressignificam suas experiências, o que cria uma sensação de continuidade verossímil.

O pano de fundo político e social também é cuidadosamente construído — Bukovie, com suas greves, racionamentos e tensão pré-guerra, contribui para uma atmosfera opressiva que reforça o sentimento de urgência e decadência. No entanto, é justamente na interface entre narrativa e mecânica que o jogo tropeça. A dinâmica central — servir bebidas para influenciar humor, afeição e nível de embriaguez — é conceitualmente promissora, mas mal executada.

O minigame de mixologia é repetitivo e mecanicamente pobre, prejudicando o ritmo. O problema se agrava com a rigidez do sistema investigativo: a lógica dedutiva frequentemente falha em reconhecer conexões óbvias entre pistas, exigindo combinações arbitrárias que quebram a imersão. Situações em que o jogador claramente entende a solução, mas o jogo não permite avançar até que uma sequência exata de ações seja seguida, são frequentes e frustrantes.

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Além disso, a ausência de um sistema mais robusto de reconhecimento contextual enfraquece a naturalidade dos diálogos. Pequenas variações semânticas entre pistas podem significar a diferença entre um avanço crítico e uma resposta vazia do interlocutor, tornando a experiência menos fluida e mais artificial do que o necessário.

Apesar dessas falhas, Best Served Cold oferece uma experiência narrativa rica, que convida à reflexão sobre temas como desigualdade, autoridade e moralidade em tempos de crise. Sua ambiguidade ética, sobretudo no retrato da polícia como uma instituição simultaneamente cínica e esperançosa, acrescenta camadas interessantes à história.

Em última análise, trata-se de um título com uma proposta ambiciosa e elementos narrativos muito bem concebidos, mas que carece de refinamento técnico para atingir plenamente seu potencial. A impressão final é a de um jogo que deveria ter passado mais tempo “na geladeira”: seus melhores sabores estão lá, mas ainda abafados por uma execução apressada.

Nota: 8/10

Best Served Cold está disponível para PlayStation 5 e 4; Xbox One; Xbox Series X|S; Nintendo Swtich; macOS e PC (via Steam).

*Agradecimentos à Rogueside pelo envio do material.

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não remete necessariamente a posição do ANMTV*