A inviabilidade da indústria dos animes

Divulgação. © Masami Kurumada / Toei Animation

Divulgação. © Masami Kurumada / Toei Animation

A atual indústria dos animes não vem passando seus bons momentos, são muitos os títulos similares uns aos outros, questionável qualidade de animação, entre muitos outros pontos. Mas, qual a origem do problema? Porque declarar que a indústria dos animes não é mais algo sustentável? Foi o que o site Manga Forever [via Shoujo Café] levantou para análise, tendo como base um animador com mais de 20 anos de experiência no setor e suas declarações.

Para a discussão, o site utilizou dados do JAniCA (Japanese Animation Creators Association), que contou com posições de 750 funcionários da indústria, até chegar em seu veredito.

O artigo aponta como um dos principais problemas a disparidade salarial entre os envolvidos. Enquanto aqueles que estão com suas carreiras estabilizadas, reconhecidas e respeitadas, sem se responsabilizarem pelo que for de mais difícil, recebem um alto cachê, os demais sofrem com excesso de trabalho e péssima remuneração, o que é de conhecimento público. Em 2015 a própria JAniCA fez um pesquisa onde revelou que o salário médio recebido por um animador japonês é  de 1.1 milhão de ienes anuais, equivalente a 27 mil reais, na época. Pode até parecer muito para os brasileiros, mas é pouco considerando o custo de vida japonês e a jornada de trabalho desses funcionários que é de 11 horas diárias.

No ano passado, tendo em vista esse ponto e também a redução a mão de obra “especializada”, Hideaki Ano, criador de uma das maiores franquias de anime, Evangelion,  chegou a apontar que Taiwan em breve seria o novo centro de animação do mundo e isso poderia acontecer já nos próximos 5 anos.

A exigência no que se refere a detalhes nos quadros é muito maior que no passado, o que leva a animação sofrer com uma qualidade inferior, destaca o animador. Entretanto, falhas como esta são corrigidas por muitas vezes na versão do anime em Blu-ray, mídia que mantêm a indústria viva e a fez crescer vertiginosamente nos últimos anos, exemplos disso são animes como Sailor Moon Crystal, Alma de Ouro e Madoka Magica. Mesmo assim, o melhoramento acaba sendo mais um trabalho para os funcionários mal-pagos.

Reprodução.

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A ausência de tecnologias de ponta que viriam a ser a solução, infelizmente, não é uma realidade nos estúdios japoneses, tudo é preferível que seja feito a mão, principalmente afim de manter o consagrado estilo que popularizou a arte nipônica.

A maioria dos grandes nomes do ramo de animação trabalham como freelancers, alternando entre estúdios. Isso acontece, em boa parte, porque os próprios estúdios de animação não oferecem boas condições de trabalho. Além disso, poucas produtoras investem pesado para produzir animações de qualidade o que, muitas vezes, força os estúdios a terceirizar alguns dos trabalhos. As maiores produtoras no mercado atualmente são a Aniplex, Pony Canion e Kadokawa, e nem mesmo elas sempre investem o suficiente.

O outro lado da moeda

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Alguns estúdios como o Kyoto Animation e o Ghibli, entretanto, atuam de maneira diferente, realizando a contratação para que os animadores trabalhem no próprio estúdio, o que, claro, traz uma qualidade muito superior. Esses estúdios mantém em sua grade várias equipes fixas, por isso, é difícil haver uma variação na qualidade. Mesmo assim, o próprio estúdio Ghibli já comentou a dificuldade de manter um padrão a ser considerado excepcional em suas produções.

Diferente destes, o A-1 Pictures nada na maré contrária, tendo uma equipe praticamente nova a cada novo anime produzido. Essa política é uma faca de dois gumes, já que coloca cada produção em uma montanha russa podendo ter desde uma animação deslumbrante (Boku dake Ga Inai Machi), como também uma pífia (Denpa Kyoushi). Entretanto, esse modelo, na maioria dos casos, tende a dar certo, já que o estúdio procura-se ter ao menos, um bom nome em cada produção.

Atualmente, a sustentabilidade do mercado nipônico depende quase que inteiramente da venda de Blu-rays e, em segundo plano, de DVDs. Um título precisa vender acima de 4 mil unidades para simbolizar algum lucro e mais de 10 mil pra representar um ganho real para todas as partes envolvidas. Abaixo, o ranking mostra quantos animes por estúdio conseguiram vender acima de 10 mil nos últimos 16 anos.

Posição Estúdio Nº de animes Porcentagem do total
1 A-1 Pictures 17 11,3%
2 Sunrise 17 11,3%
3 Kyoto Animation 15 9,5%
4 JC Staff 11 7,3%
5 Production IG 9 6,0%
6 Studio Deen 7 4,6%
7 Brains Base 5 3,3%
8 Shaft 5 3,3%
9 Bones 4 2,6%
10 David Production 4 2,6%
11 Madhouse 4 2,6%
12 Pierrot 4 2,6%
13 ufotable 4 2,6%
14 White Fox 4 2,6%
15 Daume 3 2,0%

Apesar da principal mídia ter apresentado nos últimos dois anos uma queda de 13%, segundo informou a Associação de Vídeo do Japão, estes números devem-se ao fato da ausência de grandes sucessos que surgiram nos anos anteriores, como Shingeki no Kyojin e Sword Art Online. Em 2015, o número de títulos que venderam acima de 10 mil unidades por volume chegou a 9,9% do total, empatando o recorde de 2011. Afins de comparação, no começo do século somente 1,3% conseguiram isso.

Do Japão para o mundo

Alguns títulos conseguem resultados realmente satisfatórios fora dos limites japonês, como é o caso de Cavaleiros do Zodíaco (Saint Seiya), que tem uma projeção muito maior no ocidente do que em sua terra natal. Somente alguns estúdios conseguem projetar seus títulos dessa forma, sendo o Pierrot (Naruto, Bleach) e Toei (Dragon Ball, One Piece) os maiores e mais populares nesse sentido. Alguns dos títulos deles se tornam tão populares mundialmente que são verdadeiros exemplos de fenômenos culturais.

Contudo, dificilmente um anime que teve vendas muito baixas atinge projeção suficiente para arcar com os custos tidos durante a produção, dependendo, assim, da audiência de sua transmissão na TV, já que tendem a ter longa duração. É por conta disso que ambos estúdios valorizam tanto seus maiores medalhões e, por muitas vezes, são criticadas pela baixa qualidade da animação.

Com a popularização de serviços de streaming, a tendência é que cada vez menos títulos dependam exclusivamente desses lucros e exemplos disso já estão nascendo (Ajin, Sidonia no Kishi, Kuromukuro). A própria Netflix já mostrou interesse em produzir animes originais, o que pode mostrar uma tendência de mercado. Esse tipo de expansão também é uma investida na luta contra a distribuição ilegal que o governo japonês tanto tenta para vencer.

E Taiwan?

Enquanto o mercado japonês é gigantesco, repleto de propagandas nos prédios de suas maiores cidades, eventos constantes, políticas próprias de regularização e reconhecimento mundial adquirido ao longo dos 60 anos, o Taiwanês é pequeno, menor até que o vizinho chinês.

Taiwan produz com alguma frequência curtas de animação que conseguem certa reprodução mundial, coisa que muitos outros mercados também fazem. Ele passa longe de chegar perto dos quase 700 estúdios de animações espalhados pelo Japão e movimentam uma parcela grande do PIB do país.

Uma indústria do entretenimento não surge de uma hora pra outra, ainda mais diante da concorrência vertiginosa. No Japão e nos Estados Unidos isso levou décadas para acontecer, não é em 20 e muito menos em 5 anos que vá acabar. Os produtos japoneses estão disseminados demais para perderem o foco apenas porque não existe o mesmo amor que havia antes, segundo a visão de Ano.

O mercado pode até sofrer fortes alterações com o surgimento de novos meios de trabalho e precisar de otimização dado os ultrajes com relação ao salário recebido pelos cargos mais baixos, mas, embora seja um indicador de uma forte deficiência, isso, por si só não configura o fim repentino de uma indústria que se misturou com a própria história de um país. Talvez uma grande revolução aconteça obrigando o mercado nipônico a rever muitas de suas políticas, mas dificilmente um novo mercado irá se sobressair a ele em um tempo tão curto.

Escrito por João Alexandre e Matheus Sousa